07/02/2007 - 10:00
Rafael Raposo interpreta Noel Rosa (abaixo) e
Camila Pitanga vive a dançarina Ceci: paixão,
dor e muitas músicas
Noel – poeta da Vila, do cineasta Ricardo van Steen, ainda não estreou nos cinemas, mas já é sucesso de público. Foi o júri popular, ou seja, o voto da própria platéia, que lhe conferiu o prêmio de melhor filme na Mostra de Cinema de Tiradentes, encerrada no sábado 27 em Minas Gerais. Trata-se de uma cinebiografia do sambista carioca Noel Rosa (1910-1937), de longe um dos mais geniais que o Brasil já teve. Com esse prêmio confirma-se, assim, o que já vinha ocorrendo desde o ano passado, quando Noel – poeta da Vila esteve entre os preferidos do público no Festival do Rio de Janeiro e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Com a perseverança dos que acreditam naquilo que fazem, Ricardo van Steen levou dez anos para realizar o seu trabalho e experimentou um gosto a mais ao receber a premiação nessa sua estréia em longa-metragem.
“A empatia do público, que disputa uma cadeira a tapa, tem sido espontânea, e isso é bem diferente da exigência do mundo das artes”, diz ele.
Publicitário premiado, artista plástico e também fotógrafo, Van Steen apaixonou-se pela vida e obra de Noel Rosa há 14 anos, quando ganhou de presente de seu montador, Umberto Martins, a biografia do sambista escrita pelo jornalista João Máximo e pelo músico Carlos Didier: “Na época eu estava decepcionado com a propaganda, fechei a agência e fui estudar roteiro em Los Angeles. Aí o Umberto me deu o livro e disse: esse cara é um artista. Li e me encantei.” Ele foi limpando o enredo até centrá-lo no mais íntimo da vida de Noel Rosa: a sua família, os seus amores e suas amizades. E é justamente com o início de uma grande amizade que o filme começa: o encontro de Noel (interpretado por Rafael Raposo) com o sambista Ismael Silva que tenta trapaceá-lo num jogo e é desmascarado. “O Noel estava carregando um violão e Ismael, vendo que ele era músico, o levou para o morro e o apresentou para a galera do samba. Aí ele pira”, diz Van Steen. Outras passagens importantes do filme são o duelo musical travado entre Noel e Wilson Batista (os dois se desafiavam através de letras de samba, o que enriqueceu a música brasileira) e, claro, o triângulo amoroso que ele viveu com a sua mulher, Lindalra (Lidiane Borges), e a grande paixão de sua vida, a dançarina Ceci (interpretada por Camila Pitanga) – foi para ela que Noel Rosa compôs clássicos como Último desejo. Além dessa música, outras 29 composições de Noel estão no filme.
“Camila Pitanga ficou com o papel de Ceci porque
se tornou a diva que é” Ricardo van Steen, cineasta
Entre as músicas, uma das mais famosas chama-se Com que roupa?, composta a partir da melodia do Hino Nacional – e foi esse também o nome de um curta-metragem feito por Van Steen em 1996 como preparação para o longa agora premiado. Quem o produziu, na época, foi a mesma Movi&Art, responsável pela captação de recursos do filme atual com orçamento de R$ 4,5 milhões. “Foi uma captação difícil, mas felizmente conseguimos rodar tudo em 2004”, diz o produtor Persio Pisani, que pretende lançar o filme em maio, quando se comemoram 70 anos de morte do compositor. Essa demora no início das filmagens provocou mudanças no projeto original. A atriz Camila Pitanga, por exemplo, ia interpretar Lindalra, mas ficou com a personagem da belíssima Ceci. “O tempo passou e ela virou aquela diva”, diz Van Steen.
Outros perderam o papel, caso do ator que ia fazer Noel, mas, passados dez anos, encorpou e ficou longe do físico franzino que o sambista sempre teve. Quem acabou premiado com a interpretação foi o carioca Rafael Raposo, que precisou aprender canto e dança e emagreceu 20 quilos. Mais: teve de se adaptar a uma prótese dentária que lhe distorce a mandíbula, porque Noel tinha essa característica, seqüela do parto a fórceps. O reconhecimento da qualidade do filme de Van Steen cresce em importância à medida em que a Mostra de Cinema de Tiradentes também cresce anualmente em prestígio. É um evento voltado, sobretudo, para trabalhos feitos com liberdade e paixão – liberdade e paixão que são, na verdade, a mais exata tradução de Noel – poeta da Vila.