07/02/2007 - 10:00
Os russos voltaram a olhar para a Lua. Depois que o Parlamento daquele país liberou uma verba anual de US$ 1,7 bilhão para a exploração do cosmos, a agência Roscosmos apertou o botão de ignição para novamente decolar o seu programa espacial. Estamos entrando em 2007. A Rússia já pensa em 2008, quando a primeira de cinco sondas robotizadas chegará à órbita lunar, numa prévia do lançamento da primeira base permanente de pesquisas em 2012. A notícia caiu como uma bomba na Agência Espacial Americana (Nasa), que continua a investir fortunas no desenvolvimento de espaçonaves que pousarão na Lua em 2010. “Apesar de termos menos dinheiro, nosso programa é mais eficiente que o americano”, diz Igor Panarin, um dos mais altos oficiais da Roscosmos.
Engana-se quem acredita que nessa disputa só existem dois competidores. A China já colocou três astronautas em órbita e acaba de construir um foguete capaz de levar uma cápsula até a Lua. O lançamento está previsto para meados de abril e a aventura só terminará no ano que vem com o envio de uma missão tripulada. Mais concretamente, na semana passada, os indianos cobriram de orgulho o primeiro-ministro, Atal Bihari, ao colocarem quatro satélites no espaço. E, além de EUA, Rússia e China, agora até o Japão, reticente em despender dinheiro em missões espaciais, anunciou que vai entrar na corrida lunar.
Futuro Representação de como será, em breve, uma base da Nasa para exploração do solo lunar
Por que, depois de tantas décadas no ostracismo, a Lua volta a ser o centro das atenções? Eis a resposta: se no começo tudo era apenas curiosidade e demonstração de força, agora a explicação mais imediata é bastante pragmática. Trata-se da quantidade de produtos que podem ser desenvolvidos na Terra a partir da tecnologia espacial: o teflon, o velcro, os aparelhos de ginástica das academias, entre outras centenas de mercadorias vendidas em lojas e supermercados, são alguns exemplos. Mas há outra causa, pelo menos para Rússia e China, pressionadas pelos efeitos da poluição decorrente do consumo excessivo de combustíveis fósseis: é o interesse pela exploração do subsolo lunar, rico em hélio-3, elemento químico que poderá girar os reatores de fusão nuclear gerando energia limpa e livre do lixo radioativo.
Em meio a todos esses interesses, a Nasa patina em suas próprias decisões. Em dezembro do ano passado ela anunciou que seus ônibus espaciais serão aposentados e que a espaçonave que os substituirá, batizada de Ares, será uma versão moderna das antigas cápsulas da geração Apollo, aquela que levou o homem à Lua em 1969. Elas estavam esquecidas desde 1973, quando o governo americano decidiu investir na construção de uma espaçonave capaz de realizar não uma, mas diversas viagens ao espaço – os chamados ônibus espaciais. O problema com as Apollo era que, por serem cápsulas, elas realizavam uma única viagem ao espaço e ficavam imprestáveis quando regressavam à atmosfera terrestre. Dessa vez, porém, o desafio para os americanos é maior. Não se trata apenas de fincar uma bandeira no solo lunar, mas, isso sim, de estabelecer bases de exploração. “Cada vez mais a presença humana está sendo expandida para fora dos limites da Terra”, diz Scott Horowitz, um dos administradores da Nasa. Depois de gastar cerca de US$ 250 bilhões em ônibus espaciais e na arquitetura da estação Espacial Internacional, a agência terá de desembolsar mais US$ 200 bilhões para reinventar o programa Apollo. Falando friamente, a Nasa hoje corre atrás de um enorme prejuízo.
Embora os investimentos americanos (na casa dos US$ 16 bilhões anuais) façam os recursos de seus concorrentes parecerem mesada de criança, a potencialidade de seus competidores não é nada desprezível. Ao longo da história, os russos fizeram tanto quanto os americanos e gastaram muito menos. É por isso que, recentemente, os dirigentes da Nasa adotaram uma política de diplomacia e voltaram a consultar antigos aliados em busca de parceria financeira. A Agência Espacial Européia (ESA) foi a primeira a ser procurada, mas há um obstáculo a ser vencido: desde que foram relegados a um segundo plano, os europeus passaram a ignorar os EUA e focaram-se na pesquisa de Marte. Outro ponto desfavorável para os EUA é que os europeus nunca tiveram tantas opções de parceiros como têm agora. E suas relações com os russos da Roscosmos vai de vento em popa. Quando o programa dos ônibus espaciais da Nasa foi encerrado após o acidente do Columbia, em 2003, a Rússia passou a dar carona aos astronautas europeus. Agora, a ESA retribui o favor e planeja colaborar com a Roscosmos no programa de construção de uma nova espaçonave. “O ressurgimento da Rússia coloca a Europa numa situação confortável”, diz Laurence Nardon, diretor do Instituto de Relações Internacionais de Paris. “Isso permite que a Europa jogue dos dois lados.”
Também a Rússia está nessa confortável posição de poder optar nesse jogo – e, assim, além dos laços com a européia ESA, ela também flerta com a China. E faz tempo. No início da década de 90 os dois países assinaram um acordo pelo qual a China compra a tecnologia das naves russas Soyuz. O resultado é que em 2003 o primeiro taiconauta (nome dos astronautas chineses) foi ao espaço e no ano passado os chineses colocaram em órbita uma centena de satélites. “A velocidade que eles deram a seu programa espacial é espantosa”, diz Anatoly Perminov, diretor da Roscosmos. Prova disso é que até 2010 o governo chinês planeja levar um robô à Lua que retornará à Terra com amostras do solo de nosso satélite. A idéia, na verdade, não é nova. Mas é certo que, por enquanto, Rússia e China são os dois países que mais têm condições de viabilizar financeiramente a parceria desse projeto nessa nova corrida à Lua.