Uma das presenças garantidas, e mais temidas, na Olimpíada de Atenas será Rá, o deus Sol. Os meteorologistas prevêem que a temperatura beire os 40ºC durante os quase 30 dias de competição. Se o calor escaldante é bom para o turismo, ele deixa em pânico os treinadores dos esportistas. Preocupados com o risco de contusão e o bem-estar de seus atletas, os técnicos da equipe inglesa de remo resolveram inovar. Encomendaram um uniforme diferente à Noble Fiber Technologies, uma pequena empresa têxtil da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Bill McNally, um dos sócios fundadores da companhia, aceitou o desafio e confeccionou os uniformes com o seu mais moderno produto hi-tech, a fibra de prata X-Static.

Sem revelar muitos segredos industriais sobre o produto, McNally diz ter achado uma maneira de combinar a fibra sintética com uma fina camada de prata. O tecido é produzido usando nanotecnologia, o ramo da ciência que trabalha com medidas mínimas, de milionésimos de milímetro, ou 100 mil vezes menores do que a espessura de um fio de cabelo. O resultado são roupas e uniformes capazes de permanecer quentes no frio e frescos no calor. Isso é possível porque as tramas do tecido são confeccionadas de tal forma que funcionam como uma barreira, evitando a transferência de calor do ambiente para o corpo. Nos dias frios, o processo se inverte e a roupa funciona como uma manta, evitando que o calor do corpo se dissipe. A grande novidade do tecido, porém, está em sua propriedade curativa. O segredo é a prata, um metal que age contra a formação de bactérias, inibindo a respiração e a reprodução desses microrganismos.

Competição – Em caso de acidentes, a roupa prateada é ainda mais surpreendente. Ela evita que os ferimentos infeccionem e interfiram no desempenho do atleta. O tecido inteligente já passou por vários testes de campo. Tanto que a empresa têxtil faturou US$ 36 milhões no ano passado com a venda da fibra X-Static, licenciada para mais de 100 fabricantes de artigos esportivos, entre eles a Marks & Spencer, a Adidas, a Puma e a Spyder. O Exército americano é outro cliente importante. Em 2002, ele encomendou 5,5 milhões de meias de prata para calçar seus soldados, que enfrentam as mais variadas condições climáticas no campo de batalha, onde é comum o aparecimento de fungos e doenças como o pé-de-atleta.

Longe de Atenas, outro tipo de competição toma lugar: o desenvolvimento de curativos de alta tecnologia. Nos laboratórios, os pequisadores criam verdadeiras peles artificiais usando microrganismos vivos. As superataduras ajudam a tratar queimaduras e auxiliam na cicatrização de úlceras, implantes e feridas crônicas, comuns entre pacientes diabéticos. Uma das empresas mais afoitas nessa área é a Pele Nova Biotecnologia, que tem empresas e pessoas físicas entre seus 11 acionistas. O mais famoso deles é o engenheiro aeronáutico Ozires Silva, ex-presidente da Embraer e da Varig.

O executivo resolveu investir numa membrana biológica, feita da combinação de um tipo de proteína animal, o colágeno, e o látex, a seiva retirada das seringueiras que, no século XIX, deu ao Brasil o título de maior exportador mundial de borracha. O curativo emborrachado é fruto de vários anos de pesquisa do médico Joaquim Coutinho Netto, atual coordenador do projeto. Batizado de biomembrana, ele auxiliou na cicatrização das feridas dos pacientes com diabete. A bateria de testes foi animadora. Num deles, oito cães foram submetidos a cirurgia interna para reposição de parte do esôfago. Dez dias depois da operação, uma endoscopia revelou que os vasos sanguíneos cresceram dentro da pele artificial e o sangue passou a circular normalmente, o que acelerou a recuperação dos animais.

Em outro teste, dessa vez com implantes de tímpanos perfurados, só um paciente entre sete mil teve rejeição. Nos demais, o curativo reconstituiu com sucesso o tímpano dos pacientes. A empresa brasileira Pele Nova Biotecnologia começa a sonhar alto. E já negocia o supercurativo com distribuidores da Alemanha, Itália, América Latina e Turquia.

“Há no mundo 1,2 bilhão de diabéticos, o que representa 18% da população mundial. Só os cinco milhões de diabéticos dos Estados Unidos gastam US$ 20 mil ao ano usando gel feito com base em hormônios humanos”, afirma Ozires Silva. “Nosso produto pode curar definitivamente as feridas e deve reduzir para US$ 500 a US$ 1.000 o custo do tratamento por diabético”, diz.

 

idratante – Outro tipo de supercurativo foi desenvolvido por um pesquisador autodidata,
Luiz Fernando Farah. Atual diretor científico da empresa Bionext Produtos Biotecnológicos, de São Paulo, Farah tem um acordo de parceria com o Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e o Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP). A atadura tupiniquim é feita a partir de celulose produzida pela bactéria de nome científico Acetobacter xylinum, encontrada nas frutas em decomposição. O produto pode ser usado como uma pele artificial em pacientes com queimaduras, aliviando suas dores.

A celulose bacteriana é uma espécie de geléia composta de microfibras para se utilizar em diversas aplicações medicinais e industriais. O material hoje já serve para a confecção de coletes à prova de balas. No futuro, ele poderá ser usado como película protetora de documentos e na fabricação de telas flexíveis para computador. No tratamento das queimaduras, essa espécie de pele artificial é aplicada após a limpeza dos ferimentos e funciona como uma proteção hidratante. Assim como ocorre com a casca de uma árvore, a atadura só é retirada do ferimento depois que uma nova camada de pele natural se formar.

Estuda-se ainda a aplicação desse tipo de material em cirurgias cardíacas para reduzir o potencial de rejeição. Luiz Fernando Farah, o inventor da superatadura, identificou o microrganismo produtor dessa fibra quando trabalhava com plantas ornamentais. Sua criação foi patenteada como curativo em 1988, aqui no Brasil. A invenção lhe rendeu um prêmio da Organização Mundial de Propriedade Intelectual de Genebra, na Suíça.

Outro curativo inovador desenvolvido por pesquisadores brasileiros surgiu com o estranho nome de Hidrogel, no Instituto de Química da USP. Desenvolvido para o tratamento de queimaduras, o produto tem o aspecto de uma gelatina consistente. Logo no início, o projeto derrapou. O curativo se mostrou frágil, pequeno demais e de pouca durabilidade. Foi aí que entrou o químico Luiz Henrique Catalani, que adicionou uma espécie de plástico, o polipropileno, na fórmula original do Hidrogel. Catalani conseguiu viabilizar o produto ao usar radiação ultravioleta (UV), a mesma empregada nas clínicas de fisioterapia para a recuperação de contusões musculares.

A característica mais importante do Hidrogel é o imediato alívio das dores. Ao mesmo tempo que absorve a água, hidratando a pele, o curativo não impede a circulação do oxigênio. Assim, ele mantém a assepsia e acelera a cura dos ferimentos. Catalani atualmente pesquisa uma nova técnica de produção dessas ataduras. Talvez o Brasil não ganhe muitas medalhas na Olimpíada de Atenas, mas na modalidade curativos do futuro o nosso ouro parece garantido.