12/10/2005 - 10:00
Daqui pra frente tudo será diferente. Depois de quatro meses de furacão Jefferson, ondas gigantes atingiram a nau de Lula e lançaram ao mar boa parte dos tripulantes do PT. Ainda enjoado com o mar revolto, o presidente vai comemorar, na quinta-feira 27, seus 60 anos de idade e exatos três anos de vitória nas urnas como comandante de um governo despetizado. Dos 21 cargos de primeiro escalão que tinha em 2003, o PT ficou com 14. Alvo dos escândalos, o partido perdeu a bandeira da ética, espaço no poder e energia para exigir concessões de Lula em seu projeto de reeleição. O governo sai do olho do furacão com outro perfil. A nova tripulação do timoneiro Lula no Planalto e no Congresso é variada. Há sobreviventes petistas e políticos de outros partidos que ganharam a confiança presidencial durante a tormenta, principalmente companheiros do PSB, do PCdoB e do PMDB. Há também os ministros apelidados nos corredores palacianos de “os profissionais” (sem marca partidária e eficientes): Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Luiz Fernando Furlan (Indústria e Comércio Exterior) e Gilberto Gil (Cultura).
Lula foi eleito por uma coligação que incluía os pequenos PL, PCdoB, PCB e PMN. No governo o plano inicial era atrair o PMDB como principal parceiro. Mas o PT e o próprio Lula cometeram erros que impediram esse projeto. O Plano B foi ampliar a base governista abraçando o PP de José Janene (PR) e o PTB de Roberto Jefferson (RJ). Deu no que deu: um Titanic político. Em 2006, Lula quer navegar na campanha sem as correntes petistas. Quer ficar livre para amarrar a seu gosto o projeto de reeleição que inclua a continuidade da atual política econômica e um amplo arco de alianças. Quer se apresentar ao eleitor com um projeto de continuidade governamental, que paire acima dos partidos.
A fúria dos ventos lançou ao mar gente como o ex-capitão José Dirceu, ministro da Casa Civil, arquiteto político e coordenador da campanha de Lula. Acusado por Roberto Jefferson de ser o chefe do esquema do mensalão, Dirceu ainda não submergiu e tenta resistir à cassação de seu mandato de deputado. O segundo alvo foi outro ministro poderoso: Luiz Gushiken (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica), o amigo a quem Lula só chama de “China”. Acusado de ter beneficiado uma empresa da qual foi sócio, Gushiken – que nega tudo – pediu para sair. Lula acabou tirando seu status de ministro. Na campanha, Gushiken também foi uma peça fundamental.
Uma das marcas do presidente Lula é a extrema dificuldade de separar o seu coração da política na hora em que precisa demitir companheiros. Essa é de fato uma missão árdua, como atestam Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, em depoimentos que constam do livro Os segredos dos presidentes, do jornalista Geneton Moraes Neto (Editora Globo). “O mais doloroso e difícil era exonerar ministros que tinham uma relação fraterna comigo”, confessou Itamar. “Sob um ponto de vista pessoal, o mais duro, para um presidente, no plano político, é o momento em que ele precisa demitir alguém de quem gosta, numa situação em que não há alternativa”, admitiu FHC.
Mago ferido – Oito meses depois de assumir, Lula já lamentava: “Nem tudo é tão maravilhoso quanto pensávamos quando governamos. O único dia que não tem problema é o dia da posse.” Mago da vitória de Lula em 2002, o marqueteiro Duda Mendonça afogou-se após admitir que recebeu de Marcos Valério R$ 10,5 milhões em uma conta no Exterior por seus serviços ao PT. Um dos publicitários citados nos bastidores para assumir a campanha da reeleição lulista é Paulo de Tarso, que já trabalhou para o PT. Na Câmara, o presidente perdeu seis combatentes petistas: seus mandatos podem ser tragados pelo peso do dinheiro coletado no valerioduto. Alguns deles eram da tropa de choque: o ex-presidente da Casa João Paulo Cunha (SP), Professor Luizinho (SP), José Mentor (SP) e Paulo Rocha (PA).
Mas os primeiros náufragos foram comandantes petistas: o tesoureiro do
partido Delúbio Soares, o secretário-geral Sílvio Pereira e o presidente José
Genoino. A conseqüência: esqueça aquele Lulinha Paz e Amor que posava
para fotos na campanha de 2002 abraçado a uma almofada vermelha em forma
de estrela do PT. “O presidente foi obrigado a se distanciar, para que a lama do
PT não contaminasse o governo”, comentou um de seus colaboradores. Mas distância não significa descuido nem imprudência. Lula está de olho nos movimentos de seu partido, que – bem ou mal – vai comandar seu projeto de reeleição. Por isso destacou Tarso Genro, um de seus ministros mais elogiados (Educação), para tentar limpar a imagem do PT.
Cotado para ocupar um posto importante na campanha do ano que vem, Tarso substituiu Genoino. Perdeu a queda-de-braço travada com Dirceu, que não aceitou abandonar os bastidores do PT, presidido por ele durante oito anos. O nome de Dirceu continuou fincado na lista da chapa dos moderados – a mais votada no primeiro turno da eleição interna do PT, no dia 18 de setembro: amealhou 42% dos votos e terá essa representação no novo diretório nacional que tomará posse no dia 22 de outubro. Como os moderados perderam a maioria que tinham no Diretório Nacional, o governo não terá mais o rolo compressor para chancelar todas as suas decisões. Na votação dos nomes para presidente do PT, o ex-ministro Ricardo Berzoini – moderado e candidato de Dirceu – ficou em primeiro lugar. Mas enfrenta o ex-prefeito de Porto Alegre Raul Pont, da esquerda, no segundo turno, no domingo 9. Qualquer que seja o resultado, o PT tende a adotar uma postura mais autônoma com relação ao governo, defendendo uma política econômica menos ortodoxa e mais desenvolvimentista.
Mas nada disso assusta o homem forte do governo: Antônio Palocci (Fazenda). Nem a oposição ousou – até o momento – convocá-lo para depor nas CPIs. Palocci é acusado por Rogério Buratti, seu ex-assessor na Prefeitura de Ribeirão Preto, de ter recebido R$ 50 mil mensais de uma empresa local para os cofres do partido. Já Dilma Rousseff (Casa Civil) é a dama de ferro. Mas há outros petistas que sobreviveram ao mar de lama: Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência, e Marco Aurélio Garcia, secretário especial para Assuntos Internacionais. O líder do governo no Senado, Aloízio Mercadante (PT-SP), que adotou postura rígida de cobrança ética dentro do PT, está em alta. Chefe de gabinete e um dos mais próximos conselheiros de Lula, Gilberto Carvalho é sobrevivente, mas está ferido: terá que passar, na CPI dos Bingos, por uma acareação com os irmãos de Celso Daniel, assassinado em 2002, de quem foi secretário em Santo André.
Os novos homens do presidente Lula emergiram em meio à crise e após a vitória de Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para a presidência da Câmara. Unha e carne de Lula, o ministro das Relações Institucionais, Jacques Wagner (PT), é um deles. Simpático, tranqüilo, bem-humorado, Wagner é um carioca boa praça que fez carreira política na Bahia. Ganhou tanto prestígio com a eleição de Aldo que Lula o despachou para Cabrobó (PE) para resolver outro abacaxi que tirava seu sono nos últimos dias: tentar convencer o bispo contrário à transposição do rio São Francisco a encerrar a greve de fome. Mais uma vez o jeitinho carioca-baiano venceu: o bispo voltou a se alimentar. Discreto, o novo ministro do Trabalho, o ex-presidente da CUT Luiz Marinho (PT), é outro que está em alta com o presidente.
Inabalável, calmo ao extremo, afável mesmo com os adversários e de uma
fidelidade comunista, Aldo não era íntimo de Lula, mas foi um dos que ganharam seu coração. Líder do governo na Câmara em 2003, Aldo foi promovido a ministro da Coordenação Política. Mas, bombardeado pelo fogo petista até perder força para articular, caiu. Lula sonhava transferi-lo para a pasta da Defesa ou do Trabalho. Mas teve de agraciar outros partidos mais potentes. De volta à Câmara, Aldo ficou lá, quietinho. Até que o presidente conseguiu bancar seu nome para ser o candidato do governo. O alagoano Aldo e seu conterrâneo Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, são dois dos mais importantes novos tripulantes de honra da nau Lula. Com a dupla no comando do Legislativo, o Executivo ganha fôlego em meio ao tiroteio das CPIs. Na lista dos queridinhos de Lula estão ainda o ex-ministro da Ciência e Tecnologia e deputado Eduardo Campos e o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, ambos do PSB.
Platéias – “Reeleição se constrói”, constatou Lula, na terça-feira 3. É exatamente isso que ele e sua tripulação começaram a fazer. Sua primeira semana de outubro foi cheia de eventos nos dois maiores colégios eleitorais do País: São Paulo e Minas. Num só dia discursou para várias platéias: empresários, sindicalistas e favelados. Preocupado com a força de um casamento do PFL com o PSDB do rival José Serra, Lula quer trocar alianças com o PMDB em 2006. O presidente ficou aliviado ao saber que seu vice, José Alencar – que quer disputar o Planalto –, não conseguiu desembarcar no PMDB. É que, na avaliação de Lula, Alencar perderia na disputa interna do PMDB e facilitaria a vitória do ex-governador do Rio Anthony Garotinho, um candidato de peso. O vice acabou trocando o enlameado PL pelo minúsculo PRM, que será rebatizado: Partido Republicano, ligado à Igreja Universal. Mas há enormes pedras no caminho de Lula dentro do dividido PMDB: além de Garotinho, o presidente Michel Temer (SP) e o governador Germano Rigotto (RS) lutam pela candidatura própria. Lula precisará mesmo de muita energia para levar seu navio ao porto seguro da sonhada reeleição.