16/12/2010 - 12:00
Está sendo lançado no Brasil o livro “Antologia Pan-Americana” (Record), que reúne contos escritos por autores de diferentes nacionalidades, idiomas e culturas, todos publicados nas décadas de 1990 e 2000. A obra presta uma homenagem à criação literária no continente americano e apresenta um diversificado cardápio de enredos e estilos. Entre os 35 nomes que integram a antologia estão Juan José Saer (Argentina), Alberto Mussa (Brasil), Ernest Pépin (Antilhas Francesas), Rodrigo Soto (Costa Rica), Ellen Ombre (Suriname), Oliver Senior (Jamaica) e Ronald Flores (Guatemala).
Leia um trecho do livro:
A descoberta da literatura
Para o pensador francês Maurice Blanchot, o destino e o apogeu da literatura são abolir-se no silêncio. Toda obra, portanto, bem como toda obraprima, contribuiria para consumar a literatura, impelindo-a à sua extinção. No fundo, esse pensamento não é tão paradoxal quanto parece. Ele se junta ao preconceito bastante comum segundo o qual um grande livro esgota a literatura, ou tende a fazê-lo. Quanto a mim, penso justamente o contrário: uma obra-prima relança a história literária abrindo novos caminhos de escritas. Abrir outras possibilidades, esta é sua marca distintiva. E, no fim das contas, a ausência de livros dignos desse nome, a ausência de obra-prima — e não sua multiplicação —, é que terminaria por secar a literatura.
Se eu me atrevesse a continuar a contradizer Blanchot, diria que o paradigma da criação literária não se exprime, como ele afirma, no mito de Orfeu, que conta as peripécias do poeta nas esferas inferiores. De acordo com uma possível versão desse mito, Orfeu quer conduzir a defunta Eurídice para fora dos Infernos guiando-a com seu canto, mas, quando chega ao limiar do mundo dos vivos — momento que corresponde ao paroxismo de seu canto —, Orfeu volta-se para Eurídice a fim de contemplá-la. Tanta beleza o deixa mudo. Ora, assim que se interrompe o canto de Orfeu, Eurídice é devolvida às profundezas dos Infernos.