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ÍDOLO Bob pregava a simplicidade em suas músicas. O resort de sua família não segue esses preceitos

Uma das mais famosas canções do cantor jamaicano Bob Marley, morto em 1981, é o reggae Three little birds em que ele prega a despreocupação e o otimismo. "Não se preocupe com nada, todas as pequenas coisas vão dar certo", diz a letra. Décadas depois, sua viúva e seus filhos continuam passando essa mensagem para o mundo, só que a preços que podem chegar a US$ 995 (R$ 2.190) a diária. Numa mansão encravada em uma das mais paradisíacas praias das Bahamas, a viúva Rita construiu o Marley Resort, um misto de hotel de luxo (tudo incluído) com spa esotérico. Entre o mar transparente da praia de Cable Beach – vilarejo bucólico perto da capital das Bahamas, em Nassau – e o luxo da casa de 16 quartos totalmente customizados (e batizados com nomes de músicas de Bob), os hóspedes ainda têm a opção de adquirir suvenires na Marley Boutique. Dentre os quartos, chama a atenção o que foi batizado com o nome Kaya, um álbum polêmico do lendário artista. No dialeto rastafari, Kaya quer dizer maconha.

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LUXO No resort Bob Marley há mimos em profusão para quem está disposto a pagar até US$ 995 a diária

O luxo das instalações e a gama de opções de lazer e benesses do resort em nada lembram o estilo de vida da religião rastafari para a qual a própria Rita teria convertido Bob. As refeições são elaboradas e servidas por chefs de cozinha premiados em três áreas de jantar diferentes: um balcão em frente ao oceano Atlântico, uma sala fechada de estilo requintado e um terraço ao ar livre. As dependências do Marley Resort são inspiradas nas lembranças da família.

Em tudo tem um pouco do patrimônio afro-caribenho dos Marley, com mosaicos, tapetes marroquinos, mobília típica e telhados de madeira. Os elementos são distribuídos mediante os preceitos da técnica feng-shui. A decoração é de Stephanie Marley, que se especializou nesta profissão e é hoje uma das administradoras ao lado da mãe. Os chuveiros são chamados de "rainfalls" (chuva que cai). As tevês dos quartos são flat screen, com DVDs que executam vídeos da internet. E, obviamente, o serviço de quarto inclui jantar e café da manhã. Algumas das suítes têm bar privativo. Isso mesmo: não um frigobar, mas um bar inteiro.

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MORDOMIA O hotel à beira-mar tem apenas 16 suítes, com decoração personalizada, batizadas com nomes de canções de Bob Marley

Para quem não quer ficar recluso, no entanto, o resort é um paraíso. Há excursões pela ilha, serviços de lavanderia, personal trainer exclusivo para hóspedes, internet banda larga sem fio gratuita, aromaterapia em banheiras e academia de ginástica. E, claro, para circular por lá é preciso ter uma conta bancária digna de paraíso fiscal no Caribe. No "spa místico" dos Marley um banho de rejuvenescimento de uma hora e 20 minutos custa a bagatela de US$ 90 (R$ 198). Se o freguês quiser um tratamento facial, desembolsa US$ 95 (R$ 209) por uma máscara de "frutas frescas caribenhas" por 45 minutos. Já 50 minutos de reflexologia, massagem que pressiona determinados pontos dos pés, custam US$ 105 (R$ 231). Um pouco mais caro que os 55 minutos de manicure, que trata as unhas das mãos e dos pés por US$ 70 (R$ 154). Quer dizer, se 55 minutos forem suficientes para tal. Ao que parece, é a primeira manicure com taxímetro. Na saída, pode-se tentar um cafezinho, ou melhor, uma coffee rub, onde massagistas esfregam seu corpo com um óleo à base de café. Por 45 minutos, pagam-se US$ 90 (R$ 198).

Bob e Rita descobriram a mansão das Bahamas em 1976, pouco depois do atentado que quase tirou a vida da então jovem cantora de reggae. Rita foi baleada na cabeça três dias antes das eleições na Jamaica, possivelmente por filiados do partido conservador jamaicano, o Jamaican Labour Party. No atentado, ocorrido na residência do casal em Kingston, Bob e seu empresário Don Taylor foram feridos sem gravidade. Mas o trauma foi gigantesco. Assim que Rita obteve alta dos médicos, eles foram passar férias nas Bahamas e acabaram encontrando a casa.

Quando perguntou a um dos vigilantes sobre a situação da mansão naquele momento – ainda propriedade do governo das Bahamas -, ouviu a frase triste e coberta de preconceito: "Olha, acho difícil que o governo venda essa casa para pessoas negras." Palavras que só incentivaram a esposa do músico a, seis anos depois, voltar e comprar a casa – um ano após a morte dele, vítima de câncer. Lá, sem Bob, Rita passaria vários verões e outros feriados com seus filhos David Ziggy – hoje um cantor famoso -, Stephanie (que administra o resort), Cedella, Stephen e Sharon. Em 2004, já com netos, decidiu aumentar a propriedade. Então teve a ideia de fazer uma obra mais ampla e criar o resort, inaugurado há dois anos.

Como na música, tudo deu certo. E continua dando certo, em cheque ou cartão de crédito.