07/02/2007 - 10:00
Exagero O médico Lianza aumentou indevidamente
o tempo da corrida. O resultado foi uma hérnia de disco
A roupa está comprada. A mensalidade, paga. Nesta época, uma legião de aspirantes a adeptos da malhação se prepara para, enfim, começar a praticar uma atividade física. O movimento nas academias simplesmente duplica. O grande problema é que a chance de esses novos malhadores sofrerem algum tipo de lesão é proporcional ao entusiasmo. “Os novatos querem resultados rápidos a qualquer custo e não conhecem os limites do corpo”, constata Thiago Moretti, responsável pelo setor de musculação de uma das unidades da Bio Ritmo. Essa combinação produz resultados nefastos. Cargas acima do que seria o ideal, exagero no tempo de malhação, postura errada. Ao final de um ou dois meses, o saldo pode ser uma dor insuportável nas costas ou um joelho estourado. Uma realidade muito distante do corpo harmonioso pretendido no começo da empreitada.
O problema tem ganhado atenção crescente dos especialistas em medicina do esporte, sobretudo porque está aumentando a quantidade de pessoas obrigadas a procurar ajuda médica depois dos estragos. “O número de mulheres que chegam ao consultório lesionadas é quatro vezes maior do que há dez anos”, contabiliza o ortopedista paulistano Ari Zecker, especialista em medicina esportiva. Na clínica de Sérgio Lianza, na capital paulista, a constatação é a mesma. Adepto da corrida há 30 anos, Lianza tem experiência própria em matéria de ir com muita sede ao pote. Além dos oito quilômetros de corrida diária, durante um período resolveu correr mais 12 quilômetros aos sábados e outros 20 no domingo. “Sobrecarreguei a coluna e tive hérnia de disco”, lembra, hoje recuperado. Além do aumento no número de lesões, os prejuízos causam o indesejado efeito de afastar as pessoas da atividade física em um momento no qual o que se quer é exatamente o contrário.
safra global Fruto poderá ser cultivado no mundo todo,
diz Myers, coordenador da pesquisa
Por isso, há uma espécie de contra-ataque da medicina. Ele se dá em duas frentes. Uma delas busca enfatizar junto aos novos praticantes a importância de seguir um rigoroso script para que tudo dê certo. “O iniciante precisa ter consciência de que é necessário um período de adaptação do corpo a uma nova atividade”, explica Rogério Tozzi, especialista em fisiologia do exercício. Nessa esfera, há orientações básicas. A primeira é a de submeter-se a uma investigação das condições musculares e cardíacas. É o que faz religiosamente a coordenadora de projetos Clarissa Kowalski, 28 anos. “Cada vez que troco de modalidade esportiva, faço exames para saber se meu corpo está apto a praticá-la”, conta.
Erros Magno rompeu os ligamentos do joelho no futebol.
Sandra foi mal orientada, sofreu muito com dores nas
costas e decidiu mudar de academia
Outra recomendação é seguir de verdade as orientações do professor da academia. Se ele disser que o peso de 1,5 kg está bom, é melhor ficar com 1,5 kg em vez de acrescentar mais. Obviamente, também é preciso saber escolher o profissional. A dona-de-casa carioca Sandra Nabuco, 45 anos, viveu uma experiência dolorosa na academia que freqüentava. O sofrimento começava na aula de musculação. “Sentia uma forte dor lombar”, lembra. Incomodada, ela se queixou ao professor, que lhe garantiu que não era grave. Dois meses depois, deixou a academia. “Ele insistia que a dor passaria”, conta. Na nova academia, descobriu o motivo de tanta dor: postura. “Eu me sentava de forma errada. Fui mal orientada”, lembra. De fato, não se pode acreditar na esparrela de que toda prática tem de fazer doer. “Se dói é porque o corpo está sendo agredido”, explica Ricardo Milani, professor de educação física da PUC/SP.
O outro esforço é compreender melhor o que acontece no corpo durante a má execução dos exercícios para que as conseqüências recebam tratamento adequado. Hoje se sabe que os principais prejuízos são as inflamações nos tendões (tendinites) e nas articulações (sinovites), danos musculares e traumas. Boa parte dos estudos concentra-se nos músculos. Essas estruturas são constituídas de fibras envolvidas por um tecido conectivo. Há dois gêneros de fibras. As brancas são mais exigidas por praticantes de exercícios de longa duração e de movimentos mais lentos, como maratonas. As vermelhas são mais solicitadas em exercícios de força e curta duração, como a musculação.
Erros Magno rompeu os ligamentos do joelho no futebol.
Sandra foi mal orientada, sofreu muito com dores nas
costas e decidiu mudar de academia
Os dois tipos de fibras ficam sobrepostos e paralelos uns aos outros. Quando o músculo entra em movimento, as fibras se alongam, vão até seu limite e voltam. “Mas, se o indivíduo exagera na dose de exercício e traciona demais as fibras, pode estirá-las ou rompê-las”, esclarece o ortopedista Zecker. O perigo é maior para pessoas com mais de 35 anos. Calcula-se que as chances de sofrerem uma lesão é 60% maior. Isso porque após essa idade as fibras musculares vão perdendo elasticidade, piorando o cenário. Com essas informações, foi possível traçar um plano de emergência de regeneração muscular. Descobriu-se, felizmente, que as estruturas apresentam uma formidável capacidade de recuperação detonada justamente a partir das fibras machucadas. Porém, para que o processo dê certo, o primeiro passo é um pequeno repouso, seguido pela volta aos movimentos de maneira gradual e sempre orientada por um bom especialista.
Outro campo de extrema preocupação são os traumas e as chamadas fraturas por stress, estas últimas responsáveis por cerca de 15% das lesões esportivas e razoavelmente comuns em atividades como corrida e dança. Em relação aos traumas, uma das partes do corpo mais atingidas são os joelhos. Normalmente, o que ocorre é um traumatismo na cartilagem dessas estruturas. “Quando a sobrecarga é maior do que o joelho suporta, há uma compressão que espreme a cartilagem, permitindo que os ossos raspem uns nos outros, aumentando o desgaste”, diz o médico Zecker. Dependendo da lesão, a correção é muitas vezes cirúrgica. O bancário paulista Magno de Santana Silva, 35 anos, foi vítima do problema. Adepto do futebol de fim de semana, há dois anos ele foi parar numa mesa de cirurgia depois de sofrer uma grave lesão no joelho. “Rompi os ligamentos durante uma partida. Agora, em vez de só tomar a cerveja, também faço um aquecimento muscular antes do jogo”, confessa. É incontestável que o bom alongamento é fundamental para prevenir problemas. Bem feito, ele diminui bastante o risco de lesões porque prepara as estruturas para o esforço que virá a seguir.
Além das lesões, também inquietam a comunidade médica as conseqüências que um exercício mal feito pode causar ao coração. São problemas graves como arritmias e infarto. O cardiologista César Jardim, do Hospital do Coração, de São Paulo, atende pelo menos duas ocorrências por semana de praticantes de atividade física que não tomaram os devidos cuidados. Só para se ter uma idéia do esforço a que o órgão é submetido, basta saber que, em um indivíduo sedentário, o coração bombeia cerca de cinco litros de sangue por minuto em situação de repouso. Num maratonista, ele pode bombear até 40 litros de sangue nos mesmos 60 segundos porque o músculo cardíaco se tornou mais forte. Mas, para chegar a coração de maratonista, é preciso muito treino respeitando os limites do corpo. Caso contrário, não há coração, joelho, costas que agüentem!