Na abertura de Reflexões de um bispo sobre as instituições eclesiásticas atuais, dom Clemente Isnard diz que todo católico apostólico romano deveria trazer sua modesta colaboração para o bem da Igreja. Sem medo e sem hesitação. É o que faz na recémlançada obra, apesar das tentativas em contrário. O bispo emérito de Nova Friburgo (RJ) conta que sofreu pressões por parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para não publicar o livro e teve o contrato com uma editora (católica) cancelado, mas decidiu seguir em frente. Representante de uma geração de bispos que comandaram a CNBB nos anos 70 e 80, dom Clemente tem sua história associada à ala progressista da Igreja, que defende a leitura do Evangelho à luz das questões sociais e foi neutralizada pelo Vaticano a partir do pontificado de João Paulo II. Sem medo e gozando da liberdade da aposentadoria, o religioso defendeu posições ousadas em entrevista à ISTOÉ.

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ISTOÉ – O sr. acha que o celibato de padres deveria ser obrigatório?
Dom Clemente
– O celibato sacerdotal não faz parte da essência do sacerdócio católico. Nas Igrejas Orientais, também unidas a Roma, muitos padres são casados. Os padres deveriam poder se unir em matrimônio.

ISTOÉ – Desde quando o sr. passou a defender essa idéia?
Dom Clemente
– Durante meu episcopado, dois sacerdotes pediram dispensa do celibato. Facilitei na medida do possível, mas com profundo pesar, pois eram padres muito bons. Um deles, de- Bispo dom Clemente Isnard lança livro em que defende idéias como o fim do celibato e a ordenação de mulheres pois de dispensado e casado, só não celebrava missa, mas tinha um comportamento sacerdotal. Eu deixava que ele fizesse batizados, casamentos, só não podia permitir a celebração da missa e ouvir confissões. Meu sucessor (dom Alano Maria Penna) cortou tudo isso.

ISTOÉ – No seu caso, como o sr. encarou o celibato?
Dom Clemente
– Eu sou um monge e o celibato é essencial para o monge. Nunca duvidei do meu celibato.

ISTOÉ – O que faz o sr. pensar que é ideal para a Igreja a mulher ter o direito de celebrar missas?
Dom Clemente
– Há muitas determinações canônicas na Igreja que excluem as mulheres de certas funções. Presidir Comunidades de Base celebrando a missa, por exemplo, iria representar uma solução para a falta de clero.

ISTOÉ – Como o sr. avalia o atual episcopado brasileiro?
Dom Clemente
– A necessária multiplicação de bispos trouxe uma certa decadência, agravada pelos critérios conservadores da Cúria Romana, que faz as nomeações. Para o Vaticano é mais cômodo dirigir um episcopado dócil, que siga todas as orientações

ISTOÉ – Bento XVI busca reforçar a doutrina, não admite mudanças, ainda que isso signifique perder fiéis. Qual o impacto dessa postura?
Dom Clemente
– O mal não é "reforçar a doutrina". O mal é deixar- se paralisar.

ISTOÉ – O sr. recebeu pressões para não publicar o livro. Como aconteceu?
Dom Clemente
– Recebi uma carta dos bispos da regional Leste I (da CNBB), assinada por todos, pedindo que eu não publicasse o livro. Fui informado de que o núncio apostólico proibiu ao Provincial dos Paulinos de publicar o livro através da editora Paulus. Eles então desfizeram o contrato que haviam feito anteriormente.

ISTOÉ – Por que só agora, emérito e aos 91 anos, o sr. resolveu reunir todas essas opiniões polêmicas?
Dom Clemente
– Porque só agora evoluí o necessário para propor essas opiniões polêmicas. Dom Hélder Câmara, por exemplo, escreveu que se converteu aos 56 anos.