05/10/2005 - 10:00
Sensibilizada com o pavor que as dinâmicas de grupo, usadas nos processos de seleção, causam na moçada que está em busca de um emprego, a psicóloga Sofia Esteves do Amaral, fundadora da Companhia de Talentos, empresa de recrutamento de jovens, resolveu fazer um agrado a um grupo de candidatos. Colocou em cada cadeira uma trufa e um cartão de boas-vindas. O mimo não resultou em acolhimento. Ressabiados, os candidatos nem tocaram na guloseima, temendo que se tratasse de uma pegadinha para avaliar comportamento. O episódio ilustra bem o estado de espírito com que os jovens iniciam sua tensa relação com o mercado de trabalho, cada vez mais exigente. De fato, eles têm motivos para se sentir inseguros. Começam a vida profissional assombrados pelos altos índices de desemprego. Quase a metade dos desempregados nos grandes centros no Brasil é jovem. Foi o que mostrou o levantamento Juventude: diversidades e desafios no mercado de trabalho metropolitano, divulgado em setembro pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O estudo apontou que, dos 3,5 milhões de desempregados em 2004, nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo e no Distrito Federal, 1,6 milhão tinha entre 16 e 24 anos, ou seja, 46%. “Um terço deste 1,6 milhão está à procura do primeiro emprego. Além da falta de experiência, há o despreparo mesmo. Grande parte tem baixa escolaridade. Quando o recorte é feito por classe social, o índice é ainda mais alarmante. Em São Paulo, o desemprego de jovens de família com renda familiar até R$ 500 chega a 58,5%, enquanto os que pertencem a famílias que ganham mais de R$ 1.900 enfrentam índice de 22%”, analisa a economista Patrícia Lino Costa, técnica do Dieese. Em todo o Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), esse número chega a 3,8 milhões de jovens.
Desvantagem – Segundo a economista, o mercado de trabalho ajuda a perpetuar a desigualdade. Muitos jovens deixam de estudar para trabalhar. “O pobre já entra no mercado em desvantagem; não consegue conciliar o estudo e abandona a escola. Dos que estudam e trabalham em São Paulo, 41,7% fazem jornada superior a 45 horas semanais”, diz ela. Daniela Zapatta, 18 anos, viveu esse dilema recentemente. Mora com o pai, funcionário público aposentado, cursa o último ano do ensino médio e precisa trabalhar para ajudar em casa. Depois de muito procurar, arrumou um emprego numa loja de shopping e foi preciso coragem para resistir à pressão do patrão. “Apesar de trabalhar oito horas diárias e ter uma folga a cada seis dias, ele queria que eu parasse de estudar para ficar na loja à noite”, relata a garota. Tudo isso por um salário líquido de R$ 230. Outros só conseguem se dedicar aos estudos se tiverem um emprego para custeá-los. É o caso de Monique Pereira, 19 anos, que trancou a matrícula da faculdade de matemática em junho para procurar emprego. “Meu pai teve dificuldades financeiras e não houve outro jeito”, lamenta. Mesmo com um curso de assistente administrativo e outro de informática, ela acha os processos seletivos aflitivos. “É difícil. Num deles, tive que inventar um produto que não existia no mercado e vendê-lo”, conta. Sua idéia – uma máquina de estender roupa – agradou, mas ela não foi a escolhida.
Queixa – Numa manhã fria e chuvosa, Daniela e Monique, mais Tatiane de Andrade, 18 anos, Gabriel Megaton, 17, e Leandro Boralli, 20, se inquietavam nas cadeiras do Centro de Solidariedade ao Trabalhador (www.cst.org.br). O centro foi criado pela Força Sindical em 1999 e atende cerca de cinco mil pessoas diariamente, das quais, segundo a entidade, pelo menos 400 saem empregadas. A maior queixa de Tatiane, Gabriel e Leandro poderia sair em coro. “As empresas querem experiência. Como, se ninguém nos dá emprego?”, questionavam. Esse é um grande problema. Mas para o economista da Unicamp, Márcio Pochmann, autor de A batalha pelo primeiro emprego (Editora Publisher Brasil), a questão é mais complexa e é frustrante a pouca profundidade com que o tema é tratado pela sociedade e pelas autoridades. De acordo com ele, um problema de grande escala exige uma medida nas mesmas proporções. “Temos a quinta maior população jovem do mundo – 34 milhões de pessoas – e 50% dela não estuda. A primeira questão-chave é educacional, porque não temos como absorver esse contingente despreparado nem em escolas nem no mercado de trabalho”, pontua.
Pochmann observa que há dispersão nas medidas governamentais. “O governo gasta por ano R$ 3,5 bilhões em formação, mas de forma fragmentada”, diz ele. Não há uma política capaz de atingir nem metade das necessidades de inserção desses jovens. “Como o número de vagas encolheu, temos postos de trabalho que antes eram ocupados por pessoas inexperientes sendo disputados por trabalhadores mais velhos.” Para as classes sociais mais baixas, há outro agravante. “Mesmo com 15 anos de escolaridade, o filho do pobre tem seis vezes mais riscos de ficar desempregado devido aos critérios subjetivos de seleção. Se o requisito é ter inglês, ganha importância o candidato que já viajou para fora do País.”
Mas a disputa é acirrada também entre os mais bem-preparados. Em empresas
de recrutamento de estagiários e trainees, como a Companhia de Talentos, o número de candidatos assusta. “Recebemos de 800 a 2.000 inscrições por
vaga. Ser escolhido é até 12 vezes mais difícil do que entrar em faculdades concorridas. Com a diferença que, numa seleção, o jovem concorre com um perfil estabelecido pela empresa”, explica Sofia Esteves do Amaral, autora de Virando gente grande, como orientar os jovens em início de carreira (Editora Gente). Tanta oferta de mão-de-obra resulta em um processo cruel de avaliação, com testes de conhecimentos e de raciocínio lógico, redação, dinâmicas de grupo, entrevistas. E não é só. O jovem deve demonstrar habilidades que muitas vezes nem teve tempo
de saber se possui ou de descobrir como adquiri-las. Poder de persuasão, flexibilidade, iniciativa, capacidade de trabalhar em equipe e de resolver problemas são algumas delas. “Como o conhecimento hoje fica obsoleto muito rápido, a qualificação e o potencial comportamental é que definem um bom candidato, e não só o preparo técnico”, ressalta Sofia. Ou seja, não adianta ter boa formação e falar três línguas, se o jovem não souber argumentar e expor seus pontos de vista. As empresas sabem que é mais fácil ensinar técnicas do que mudar o comportamento ou a personalidade de alguém.
E, mesmo quando o mercado dá sinais de recuperação, as contas não fecham. No ano passado, 30 mil candidatos se apresentaram à Companhia de Talentos, mas a empresa ainda ficou com 2.000 vagas em aberto. Este ano, houve um aumento de 166% no número de vagas, em comparação com o primeiro semestre de 2004, mas muitos jovens se autoboicotam. “Para uma vaga que lançamos no site, tivemos 27.500 inscritos do Brasil inteiro. Ao receberem, automaticamente, os dois testes online, um terço desistiu. Eles vão abandonando a chance ao longo do processo seletivo”, conta Sofia. A psicóloga chama a atenção para características desta geração, nascida entre 1980 e 1990 e fortemente impactada pela era da informação. “Eles se acostumaram a ler manchetes, a fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas não se aprofundam em nada. Não são treinados para fazer análise crítica, argumentar, construir pensamentos. É a geração fast-food, que recebeu tudo pronto e tem dificuldade de resistir à frustração”, afirma. Daí o seu alerta para os interessados em um lugar ao sol: avalie seus pontos fracos e procure meios de melhorá-los.
Procura – Um dos tabus para o brasileiro, mesmo o de boa formação, ainda é a segunda língua. Metade dos candidatos é cortada só pela falta do inglês. E às vezes nem a faculdade de ponta abre facilmente as portas. César Colucci, 22 anos, cursa o sétimo semestre de administração de empresas na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Depois de um ano de intensa procura, ele finalmente conseguiu um estágio na Prefeitura de São Paulo. A maior dificuldade foi acertar os horários, uma vez que ele estuda à tarde. “A grife da faculdade já não conta tanto e há um contra-senso, pois exigem experiência para vagas de estágio. Outra coisa é que estudo inglês desde os dez anos, mas o intercâmbio fez falta, funciona como prova de independência”, acrescenta ele.
É bom saber, no entanto, que os programas de estágio não estão restritos aos universitários. O Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube), que também faz recrutamento de jovens para programas de estágio e trainee, tem 500 mil estudantes e recém-formados cadastrados em seu banco de dados. Oferece em média duas mil vagas por mês, mas só em agosto recebeu 20 mil currículos. Muitos deles de alunos do ensino médio e do técnico. Seu diretor, Carlos Henrique Mencaci, diz que o ideal seria que os jovens se dedicassem só aos estudos, mas diante da realidade brasileira é enfático em defender o estágio para os estudantes acima de 16 anos. “É a melhor forma de entrar no mundo do trabalho e atender os que precisam estudar, mas também têm de se manter”, diz ele. Os estagiários não têm vínculo empregatício, não podem abandonar a escola e passam a ter uma renda, chamada não de salário, mas de bolsa-auxílio. Um inconveniente é que nem sempre o empregador está conscientizado de que é uma atividade pedagógica e não de trabalho. Outro é que a lei de estágios não determina valores mínimos para esse benefício – que no mercado varia de R$ 400 a R$ 900.
Orgulho – O valor pago pelo estágio era exatamente o que mais afligia a estudante de hotelaria Lara Vanin, 20 anos. Premida pela obrigatoriedade do estágio exigido na faculdade, ela enviou muitos currículos e participou de várias entrevistas em hospitais e hotéis de São Paulo, mas, quando fazia as contas, desanimava. “Dependendo de onde era a empresa, eu ia acabar pagando para trabalhar”, conta a moça. Este mês, tem motivos para comemorar. Desfila, com orgulho, o uniforme de uma das unidades da rede de hotéis Blue Tree. “Consegui uma oportunidade de um ano e há possibilidades de efetivação”, vibra ela.
No geral, as empresas que se dispõem a desenvolver programas voltados para
os jovens procuram focar a realidade. Muitas vezes são exigentes no processo seletivo porque procuram um jovem com vista à efetivação. O que não impede
alguns exageros. “Certa vez, uma empresa pediu um estudante que estivesse cursando uma segunda faculdade. Os critérios eram tão equivocados que poderia ser qualquer uma”, relembra Sandra Pires, supervisora de processos especiais
do CIEE – Centro de Integração Empresa-Escola, de São Paulo. A entidade oferece aos estudantes várias atividades e cursos para prepará-los para as agruras do processo seletivo. O último lançamento é o curso online Conectando-se ao Mercado de Trabalho, que simula situações de seleção. A ferramenta virtual vem ao encontro de uma enquete realizada pelo CIEE, que detectou o que mais tira o sono dos jovens candidatos. A dinâmica de grupo foi citada por 28% dos internautas como a principal dificuldade; a redação apareceu em segundo lugar com 24% das indicações e,
em seguida, a entrevista individual, com 22%. “A garotada fica ansiosa, às vezes
em pânico. É uma situação nova, na qual eles desconhecem os critérios de avaliação”, avalia Sylvana Rocha, gerente de estágios do CIEE. Diante disso,
resta aos jovens esquadrinhar o monstro do desconhecimento que os atormenta
e partir para a luta mais preparados.