SEM DESAFIO “Não pretendo consertar a Câmara inteira”, diz Araújo

Conhecido pela condescendência com seus pares, o novo presidente do Conselho de Ética da Câmara, José Carlos Araújo (PR-BA), foi o responsável por relatórios que livraram dois deputados da cassação. Nesta entrevista à ISTOÉ, ele admite o uso de R$ 14.600 de verba indenizatória nas férias e comenta sua ideia de criar gradações de pena para a quebra de decoro. “Estou querendo punir mais”, afirma. Mas, sobre sua gestão no cargo, adianta: “Não sou a palmatória do mundo.” Fiel seguidor de Antônio Carlos Magalhães, Araújo chegou à política depois de passar pelas diretorias de empresas públicas, como a Telebahia, na década de 80. Aos 64 anos, cumpre seu segundo – e polêmico – mandato.

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“Tanto faz xingar o colega ou entrar num crime igual ao do mensalão que a pena é a mesma. As penas devem ser de acordo com o grau da falta de decoro”

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“Não posso prejulgar alguma coisa que não conheço. Dizem que o castelo foi construído antes de ele ser deputado”

ISTOÉ – Para o sr., o que é ética?
Araújo

Tudo aquilo que você faz que não é certo, que não é direito, é contra a ética, é antiético. O médico, quando faz aborto não previsto em lei, está contra a ética.

ISTOÉ – O sr. usou R$ 14.600 da verba indenizatória em janeiro, um mês de férias. Esse comportamento foi ético?
Araújo

 A verba indenizatória é ressarcimento de alguma coisa. Foram coisas que gastei durante o mês de dezembro.

ISTOÉ – Mas em fevereiro o sr. também pediu ressarcimento de despesas, no mesmo valor.
Araújo

Bom, tenho assessoria. Tenho empresa que me dá assessoria nos meus municípios. Eu viajei, apresentei parte das coisas, o aluguel do meu escritório. Não posso interromper o aluguel do meu escritório porque é janeiro, continuo despachando no meu escritório em Salvador, continuo pagando água, pagando luz. Viajei para o interior, usei combustível.

ISTOÉ – Na Bahia, o sr. foi investigado por distribuir dentaduras durante a eleição.
Araújo

Saíram notícias nos jornais e eu me antecipei ao Ministério Público, fiz uma notificação ao MP mostrando que eu não tinha nada com isso. Acontece que o deputado estadual Pedro Egydio, que tinha dobradinha comigo, era protético e fazia isso. Ele distribuiu meu santinho junto com o dele. Se eu tivesse sido beneficiado, teria tido muito mais votos.

ISTOÉ – A Fazenda São José, de sua propriedade, em Mata de São João, tem quantos alqueires?
Araújo

Ela tem 500 e poucos hectares. Foram comprados em 1988. Eu não era deputado. Depois que me tornei deputado, não tive absolutamente nada.

ISTOÉ – Em 2002, o sr. declarou a fazenda por R$ 346 mil. Em 2006, o valor caiu para R$ 80 mil. Ela diminuiu de preço?
Araújo

Espera aí, não, não, não, tem alguma coisa errada aí.

ISTOÉ – Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral.
Araújo

 É que quando ela foi comprada não foi em reais. Ela foi comprada em outra moeda. Na outra moeda é que foi 300 e, não sei se era cruzeiro, convertido dava isso.

ISTOÉ – No TSE está em real.
Araújo

Ela foi convertida da moeda da época para a moeda atual. Não tem esse negócio de 80 mil. Eu mandei a minha cópia da declaração do IR. Em 2007, passei a declarar 700 mil, porque foi a reavaliação que fiz.

ISTOÉ – Em 1998, o sr. foi acusado de contratar parentes no gabinete que queriam transferências de faculdades do Rio e São Paulo para a Universidade da Bahia.
Araújo

Parente, não. Eu nomeei o filho de um amigo para o meu gabinete. Ele ficou no meu gabinete trabalhando um tempo, depois fez vestibular e se transferiu, alguma coisa desse tipo.

ISTOÉ – O sr. o contratou para que a Justiça pudesse dar a liminar transferindo- o para a Bahia?
Araújo

Não. Eu contratei porque era filho de uma amiga, que, por sinal, hoje é deputada federal. Era minha correligionária, me pediu um emprego para o filho e eu contratei.

ISTOÉ – Muitos deputados gastaram mais dinheiro próprio na eleição do que declararam em patrimônio à Justiça Eleitoral. Não é caso para um processo automático?
Araújo

O conselho não pode abrir processo automático. Alguém deve fazer uma representação, algum partido tem que fazer a representação contra o parlamentar.

ISTOÉ – O deputado Alberto Fraga (DEM-DF) pagava a empregada com dinheiro da Câmara. Isso não é antiético?
Araújo

Você quer que eu prejulgue? Não posso prejulgar, sou presidente do Conselho de Ética. Se eu passar a dar minha opinião sobre qualquer denúncia, aí sim será uma atitude antiética.

ISTOÉ – Os ex-senadores Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda renunciaram antes da cassação. O sr. acha que se isso ocorrer na Câmara é o caso de desconhecer a renúncia e punir mesmo assim?
Araújo

Acho. A renúncia não deve invalidar o julgamento. O indivíduo não pode, como deputado, se valer da renúncia para não ser julgado. Tem que mudar a Constituição, tem que mudar o regimento do conselho, o regimento da Câmara

ISTOÉ – No STF há caso de deputado acusado até de sequestro. O sr. é a favor do fim do foro especial?
Araújo

Sou a favor de acabar. Mas isso está provado? Sou contra o foro especial para julgar este fato. É sequestro, tem que ser como para qualquer outro cidadão, crime comum.

ISTOÉ – O sr. está mudando a gradação de penas no conselho.
Araújo

Estou querendo punir mais. As penas devem ser de acordo com o grau da falta de decoro do deputado. Isso já existe no conselho. Criei mais uma pena grave, que suspende os deputados por seis meses, sem direito a vencimento. Hoje já existe advertência, suspensão. Mas tanto faz um deputado xingar o colega ou entrar num crime igual ao do mensalão que a pena é a mesma.

ISTOÉ – Quantas gradações haveria?
Araújo

Já estão no regimento do conselho a advertência verbal, a advertência por escrito e a suspensão do mandato por 30 dias. Eu só pus mais uma, a suspensão do mandato por seis meses, com suspensão também dos proventos.

ISTOÉ – O deputado não receberia nada em seis meses?
Araújo

Não receberia o salário e não receberia p… nenhuma. Não receberia nada. Essa coisa de gradação, não fui eu quem criou não, já está no Código Penal. E já vem desde o tempo de Napoleão. Não criei pena alternativa, estou criando gradação de pena.

ISTOÉ – Por isso o sr. sugeriu a pena alternativa?
Araújo

Hoje, o relator não tem direito de modificar o pedido que o partido faz. O partido pede a pena máxima e ele não pode apenar o deputado com pena menor. Não tem gradação de pena. Num jogo de futebol, quando o cara comete falta leve, o juiz dá uma advertência, quando é um pouco mais pesada, dá cartão amarelo, se der porrada forte no cara, dá cartão vermelho. Se há três deputados no carro, um mata, um está dirigindo e outro está acompanhando, os três estão envolvidos. A pena mais pesada tem que ser para o que matou.

ISTOÉ – Mas o sr. não deu cartão amarelo nem para mensaleiros como João Magno (PT-MG) e Pedro Corrêa (PP-PE).
Araújo

 Não fui o relator no caso do Pedro Corrêa. Esse é um papel do relator. Estou propondo que o relator proponha isso, estou dando flexibilidade ao relator para que, ao encaminhar seu relatório, diga: olhe, o que o deputado cometeu é uma pena que não é grave, é uma pena leve. Ele não pode ficar sem punição, tem que ser punido, temos que suspender o mandato dele por tanto tempo: suspender o mandato por seis meses sem vencimento ou dar uma advertência ou cassar.

ISTOÉ – Para o deputado Edmar Moreira (DEM-MG), que não declarou o castelo milionário, o sr. dá cartão amarelo ou vermelho?
Araújo

Não li o processo e não posso prejulgar alguma coisa que não conheço. Dizem que o castelo foi construído antes de ele ser deputado. Após chegar ao Conselho, direi o que acho. Hoje, não sei o que eu acho.

ISTOÉ – No caso do Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), da Força Sindical, o sr. votou pela absolvição.
Araújo

Não existia nenhuma comprovação. E é por isso que estou pedindo que a gente possa interrogar as pessoas. Eu quis interrogar o presidente do BNDES. Dizem que o Paulinho se beneficiou do BNDES. O Paulinho obrigou o BNDES a dar o dinheiro da creche? Era o diretor da creche? Foi ao BNDES para pedir dinheiro, para exigir que o banco desse o dinheiro? Só quem pode responder são os diretores do BNDES.

ISTOÉ – Por que o Congresso vive hoje um descrédito tão grande?
Araújo

Depois do que aconteceu no mensalão, ocorrem problemas também no Senado. Uma minoria faz alguma coisa de errado e a opinião pública acha que todos são iguais. Porém, desvios de conduta existem em todas as profissões.

ISTOÉ – O sr. pretende moralizar a Câmara?
Araújo

Não acho que a Câmara esteja desmoralizada. Acho que há alguns deputados que praticaram atos que levam a pensar que está desmoralizada. Mas não sou a palmatória do mundo e não vou poder consertar a Câmara inteira, não pretendo isso. Na verdade, pretendo, na presidência do Conselho de Ética, punir todos aqueles que merecem ser punidos. O que estou querendo, na verdade, é dar instrumentos ao conselho. Hoje, da forma que está, o conselho não consegue realizar o trabalho que a sociedade pede.