11/08/2004 - 10:00
Eram pouco mais de 11h30 da manhã de domingo 1º quando uma violenta explosão provocou um incêndio num enorme centro de compras, o supermercado Ycuá Bolaños, em Assunção, capital do Paraguai. Naquele momento, o local, que também abriga uma praça de alimentação e um estacionamento subterrâneo, estava lotado com cerca de mil pessoas. A gritaria, em meio a uma espessa cortina de fumaça, revelava um tumulto indescritível. Numa situação extrema como essa, era de se esperar que os responsáveis pela segurança fizessem de tudo para ajudar as pessoas a escapar do inferno. Mas aconteceu o inominável: para evitar que os consumidores não saíssem sem pagar, os empresários Juan Pío Paiva e seu filho, Víctor Daniel Paiva, ordenaram o fechamento das portas principais do supermercado. “Eu estava no terceiro caixa, perto do estacionamento, quando escutei a explosão. As pessoas corriam de um lado para o outro, a confusão era total. Corri para a saída e encontrei as portas fechadas. Não entendi a razão de terem feito isso. Antes da explosão, as portas estavam abertas. Quando me deparei com a porta fechada, caí, e as pessoas iam caindo em cima da gente”, relatou a estudante Alba Benitez Sánchez, 22 anos, que se recupera da inalação de fumaça tóxica. E a sandice criminosa de trancar as portas de vidro – houve relatos de que os seguranças chegaram a atirar contra os primeiros bombeiros que tentaram abrir as saídas – potencializou o número de vítimas na pior tragédia que se abateu sobre o Paraguai desde a fracassada tentativa de golpe de 1947. O incêndio que destruiu o supermercado causou a morte de pelo menos 423 pessoas e deixou quase 350 feridos, sendo mais de 70 em estado grave. Cerca de uma centena de corpos ficou irreconhecível, para desespero da multidão que faz vigília no estádio 4 de Maio, centro militar onde estão quatro caminhões frigoríficos com os cadáveres.
Para o Paraguai, o incêndio foi uma tragédia equivalente ao 11 de setembro para os americanos. Só que, em lugar dos terroristas internacionais, entram a negligência e a irresponsabilidade criminosas locais, aliadas à falta de infra-estrutura do país para emergências desse porte. Segundo relatório do Corpo de Bombeiros paraguaio, na última verificação das condições dos principais edifícios de Assunção, feita em 1998, nada menos que 75% dos grandes edifícios não têm instalações de segurança adequadas, como hidrantes e saídas de emergência. E isso só foi possível devido ao alto grau de corrupção governamental. Nas palavras do presidente Nicanor
Duarte Frutos, “se se procuram meios para, em vez de instalar 15 extintores, ter apenas cinco, e em vez de sete portas ter só três, existe suborno, há suborna-dores e subornados.”
Na tragédia do supermercado, devido ao número de feridos, o já carente sistema público de saúde paraguaio chegou perto do colapso, obrigando os hospitais particulares da capital a oferecer seus leitos gratuitamente para tratamento das pessoas. Chile, Argentina e Brasil enviaram ajuda humana e material para Assunção. Já no dia seguinte ao incêndio, partiu do Rio de Janeiro um avião da FAB com 9,5 toneladas de medicamentos, como analgésicos e antibióticos, além de respiradores e bolsas de sangue para auxiliar no atendimento
aos feridos. Especialistas brasileiros estão trabalhando no reconhecimento da centena de corpos.
Segundo relatou a ISTOÉ Santiago Velazco, da Polícia Nacional paraguaia, responsável pela investigação, a explosão aconteceu no açougue do supermercado. De acordo com os primeiros laudos, é muito provável que uma acomodação de gás combinada com um curto circuito do sistema elétrico tenha causado a primeira explosão no açougue, que se encontra perto do sistema central de ar-condicionado.
Logo após a tragédia, o juiz Pedro Darío Portillo ordenou a prisão preventiva de Paiva e seu filho, que são donos de cinco supermercados no Paraguai, bem como dos seguranças Ismael Alcaraz, Eder Sánchez e Jorge Luis Penayo. Juan Paiva e Daniel Paiva negam que tenham ordenado o fechamento das portas. Daniel, inclusive, acusou um gerente, que morreu, de ter dado a ordem. Orlando Fiorotto, ministro do Interior, afirmou a ISTOÉ que a responsabilidade dos donos do estabelecimento é grande: “Poderia ter sido um acidente sem nenhuma vítima fatal se as portas estivessem abertas. E todos os indícios apontam para ordens expressas de Juan Pío Paiva para o fechamento das portas.”
Em meio a tanta tragédia e iniquidade, uma imagem singela de um herói verdadeiro percorreu o mundo: o policial Juan Duarte, 26 anos, salvou um bebê de apenas quatro meses fazendo respiração boca a boca. A criança, Héctor Bobadilla, perdeu o pai no acidente e a mãe ainda está internada em estado grave. “O bebê está vivo. É o que importa”, contemporizou Duarte, que encontrou a criança em cima de uma pilha de corpos carbonizados. Se as portas fechadas do supermercado representam o lado mais tenebroso da condição humana, o salvamento de Héctor Bobadilla revela a sua dimensão mais nobre.