11/08/2004 - 10:00
No último dia 13 de julho, o serviço de inteligência do Paquistão, seguindo indicações da CIA, prendeu o engenheiro de computação Naeem Noor Khan, 25 anos. Tratava-se de uma figura que voava abaixo dos radares das autoridades, mas figurava brilhante na constelação do grupo terrorista Al-Qaeda. Ele era o homem mais graduado do esquema de informática da organização. Com Khan foi encontrado um fabuloso tesouro de informações. Nos computadores do preso estavam nomes de militantes, e – para desespero das autoridades – estudos detalhados de cinco prédios, em Washington, Nova York e Nova Jersey, ligados ao setor financeiro. Todos possíveis alvos de atentados, via carros e caminhões-bombas. Entre os escolhidos estavam os edifícios do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, em Washington; o Citigroup, na avenida Lexington, em Nova York, e a sede da seguradora Prudential, em Nova Jersey. Os disquetes serviram de caixa de Pandora, aberta pelo secretário de Segurança Interna dos Estados Unidos, Tom Ridge, que elevou a graduação do código colorido – amarelo para laranja – de estados de alerta no país.
Como justificativa para isso, o secretário apontava para as análises superminuciosas dos alvos. Entre as informações, estavam desde o tráfego de pessoas nos locais a cada horário, a quantidade de membros da segurança e sua rotina, passando por facilidades de acesso e até detalhes arquitetônicos das construções, que poderiam determinar as quantidades de explosivos e melhores pontos para a demolição. Acredita-se que os estudos foram feitos por pessoal altamente capacitado, que não economizou tempo na tarefa, e incluía gente trabalhando dentro destas instituições. Na segunda-feira 2, os nova-iorquinos e washingtonianos acordaram em cidades tomadas por soldados, policiais, atiradores de elite, cães farejadores, barricadas de concreto, arames farpados e até baterias antimísseis. As autoridades agiam como se estivessem sob a iminência de ataques.
Em Nova York a vida imita a arte. Mais particularmente o enredo da sinfonia clássica Pedro e o Lobo (1936), do russo Sergei Prokofiev. O texto que acompanha a partitura desta obra conta a história do menino Pedro, que repetidas vezes dá o alarme de que um lobo entrou na vila onde mora. São alertas falsos e, com o tempo, passam a ser desacreditados. Até o dia em que a fera realmente aparece, mas ninguém dá crédito ao garoto. Nos Estados Unidos, o papel do moleque exagerado cabe ao secretário Ridge. Na pele lupina, está o terrorismo de fundamentalistas radicais islâmicos. Desde que foi criado, em 2002, o código de cores graduando os níveis de prontidão dos aparatos de segurança americanos para possíveis ataques foi ativado cinco vezes. A população entrou em estado de ansiedade máxima nas primeiras oportunidades. Mas, com a repetição das advertências e subsequentes ausências de investidas sangrentas, o nervosismo foi dando lugar à insensibilidade. Ou pior: surgiram as desconfianças de que o sistema tem sido ativado por razões eleitoreiras, quando o presidente e candidato à reeleição precisa melhorar sua performance nas pesquisas. O único tópico em que George W. Bush bate seu rival democrata John Kerry, na opinião do público, é no quesito de combate ao terrorismo.
Estas suspeitas aumentaram na terça-feira 3, quando a imprensa descobriu que os dados no computador de Khan foram amealhados há cerca de quatro anos. A Casa Branca saiu em destrambelhada defesa do último alerta e das medidas de segurança. Procurado por ISTOÉ, o comissário de polícia de Nova York, Raymond Kelly – que, embora sirva ao prefeito republicano Michael Bloomberg, tem laços históricos com o Partido Democrata – disse que, desta vez, o alarme é para valer. “O fato de que as informações sobre os prédios foram colhidas há tempos não significa que eles tenham sido desconsiderados como alvos. Sabemos que a Al-Qaeda prepara meticulosamente seus ataques e que leva muitos anos maturando suas ações. Além disso, o tráfego de comunicações entre militantes da organização subiu muito nos últimos dias.” Fontes do serviço de inteligência americano, autorizadas pela Casa Branca, também revelaram à imprensa que entre as últimas mensagens interceptadas estavam datas para o ataque: entre setembro e novembro próximos. “Soma-se a isso o fato de que uma militante da Al-Qaeda foi presa tentando atravessar a fronteira do México com o Texas. Ela levava um passaporte falso, milhares de dólares e algumas informações que são sigilosas, mas de grande valia”, disse a ISTOÉ o porta-voz da Patrulha de Fronteira, John Cepada.
Apoio democrata – Os alertas pegaram até mesmo os democratas no contra-pé. O candidato John Kerry não comentou o assunto. Mas o senador democrata de Nova York, Charles Schumer, definiu a posição do partido sobre o assunto. “É melhor alertar a população, dando o máximo de informações possíveis. Isso mostra à Al-Qaeda que estamos alertas e que temos o poder de penetrar sua organização. De todo modo, caso não elevássemos o grau de risco no código de cores, correríamos o risco de sofrer um ataque e de ser cobrados depois. É melhor errar pelo exagero da cautela do que pela falta dela”, disse o senador. Os democratas também têm medo de atacar o presidente e serem acusados de fraqueza no combate ao terrorismo.
Já foi dito que o objetivo do terrorista é provocar o pânico. Em Nova York e Washington, essa meta não está sendo atingida – com exceção dos órgãos do governo. A população dá mostras de estar mais aborrecida com o flexionar de músculos dos aparatos de segurança. E há quem comece a questionar a eficiência deste show. “Sabemos que as informações contidas nos computadores da Al-Qaeda têm entre três e quatro anos. O homem que as guardava não estava na lista dos mais procurados pelo FBI. É de se perguntar: como iríamos impedir um atentado, caso ele tivesse sido executado há, digamos, um ano?”, diz Richard Clark, ex-conselheiro antiterrorismo da Casa Branca e autor do best-seller Against all enemies, que denuncia a política do governo Bush nesta área. “Acho que os alertas são válidos para informar a população. Inclusive mostrar como este país tem fracassado na guerra contra o terrorismo”, diz Clark.