Otelo, Lear, Hamlet, Macbeth. Desde sempre, são os heróis shakespearianos e – não as heroínas – o alvo dos maiores aplausos. Mas nem sempre foi assim. No século XVII, durante o reinado de Charles II, quem recebia bravos não era Otelo, mas Desdêmona. Muito menos Hamlet, mas Ofélia. A razão era simples: como as mulheres eram encarnadas por homens e o tipo de interpretação era não-naturalista – ou seja, mais sugerida que verossimilhante –, os papéis femininos eram mais valorizados pela platéia. Pelo menos é essa a tese de A bela do palco (Stage beauty, Inglaterra/Alemanha/Estados Unidos, 2004), em cartaz em São Paulo na sexta-feira 23. Como o diretor, Richard Eyre, é um premiadíssimo shakespeariano, não existe motivo para desconfiar da curiosidade.

Mesmo porque, a passagem está lá, na história do teatro. Considerado o maior ator de sua época, Ned Kynaston (Billy Crudup) emociona as platéias com sua encarnação de Desdêmona, a vítima do ciúme louco de Otelo. Isso até o rei proibir os homens de interpretarem mulheres. Com o edito, sua camareira Maria (Claire Danes) vira a estrela do momento e o ator acaba como uma espécie de drag queen de taverna. Perde inclusive o amante, que argumenta desejá-lo apenas pelos papéis. A crítica inglesa, sempre rigorosa com filmes do gênero, achou a abordagem meio ginasiana. Mas o filme, que segue o modelo de Shakespeare apaixonado, tem boas sacadas, além de trechos de peças muito bem encenados.