11/08/2004 - 10:00
Há males conhecidos desde os tempos bíblicos, como a lepra. Mas há outros que passaram a ser estudados pela ciência apenas nos últimos anos. Um deles é a dor neuropática, sintoma causado por alguma lesão ou disfunção do sistema nervoso. É tão pouco notória que o paciente pode rodar por diversos consultórios até obter o diagnóstico correto. Expandir o conhecimento a respeito dessa condição dolorosa e crônica é um dos propósitos da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP, na sigla em inglês). Recentemente, a entidade realizou um congresso sobre o tema, em Madri, para discutir as condições de tratamento desse problema, que não tem cura. Mais de 15 milhões de pessoas na Europa e nos Estados Unidos padecem dessa dor. No Brasil, não existem estimativas.
Danos no sistema nervoso podem causar alteração na forma de transmissão e recepção das mensagens de dor. E os nervos se tornam sensíveis demais. Desse modo, um estímulo que normalmente não é entendido pelo organismo como doloroso – o roçar de um tecido na pele, por exemplo – é capaz de gerar pontadas terríveis ou sensação de queimação insuportável. Às vezes, o desconforto parece surgir do nada, o que leva muitos médicos a julgar que a queixa do paciente tem fundo psicológico.
A amputação de membros, a compressão de nervos e algumas doenças estão entre as situações que deflagram a sensação dolorosa (leia mais ao lado). “Não temos números a respeito da prevalência, mas a dor neuropática ligada à diabete é provavelmente a mais comum. Uma pequena parte das pessoas que tiveram derrame também desenvolve o problema, além de cerca de 30% dos pacientes com câncer”, estima o médico dinamarquês Troels Jensen, presidente da IASP.
Remédios – Como tudo é novo em relação à dor neuropática, os especialistas se esforçam para entender por que algumas pessoas sofrem desse problema e por que nem todos os medicamentos indicados (antiepilépticos, opióides e antidepressivos, entre outros) funcionam. Apresentada durante o congresso, uma pesquisa feita este ano com 1.220 pacientes de oito países mostrou que 65% dos entrevistados foram tratados com remédios. Deles, 16% a 44% (conforme a nação) informaram que a medicação surtiu pouco ou nenhum efeito. Em média, essas pessoas receberam de três a seis drogas diferentes. O trabalho revelou ainda que o mal compromete significativamente a qualidade de vida. Um terço dos entrevistados declarou dificuldades em lidar com as atividades do cotidiano.
O Brasil não fez parte da pesquisa, mas a aposentada carioca Roseclair Rezende, 59 anos, se encaixa nesse quadro. Aos 26 anos, ela sentiu uma dor forte na boca. Passou por um tratamento dentário, mas a sensação lancinante persistiu. Sem solução, tentou de tudo, até arrancar os dentes de trás. O diagnóstico só veio quando ela estava com 35: neuralgia do nervo trigêmeo (responsável pela transmissão de informações da sensibilidade da face ao cérebro). “Ela é uma das dores mais intensas que existem. Vem em choques, como se fosse eletricidade, dura alguns segundos e cessa da mesma forma que começou: subitamente. A neuralgia pode se repetir a intervalos variados”, explica o neurocirurgião Manoel Jacobsen Teixeira, do Grupo de Dor Crônica do Hospital das Clínicas de São Paulo. Para tratar o problema, os especialistas indicam remédios (anticonvulsivantes) ou cirurgia. Com Roseclair, o tormento só acabou quando ela foi medicada com a gabapentina, droga criada para a epilepsia, mas que desde 2000 também é recomendada no Brasil para a dor neuropática. “Eu vivia estressada com a dor. Ela estava me vencendo e perdi o prazer em viver. Agora, estou tão bem que voltei a fazer as coisas que gostava, como sair e cuidar do jardim”, conta.
Casos como esse ilustram como o problema é pouco compreendido. Felizmente, a medicina está cumprindo seu papel e busca novos medicamentos para promover alívio. Um deles é a pregabalina, uma droga que deve chegar à Europa ainda neste ano. Seu mecanismo de ação é parecido com a da gabapentina, que modula o impulso doloroso no sistema nervoso central, dificultando a transmissão da sensação desagradável. Mas a pregabalina tem uma vantagem. “Pelos estudos apresentados no congresso, conclui-se que com esse remédio será mais fácil chegar à dosagem adequada para o paciente. Além disso, ele deve começar a agir mais rapidamente e oferecer menos efeitos colaterais”, diz o fisiatra Patrick Stump, do Instituto Lauro de Souza Lima, de Bauru, no interior de São Paulo.