Boa parte dos cientistas gosta de cultuar uma postura blasé, de quase indiferença diante dos fatos que impressionam os demais mortais. Não foi diferente na noite de domingo 4, quando o pesquisador brasileiro Eduardo Cypriano e sua mulher, Elysandra Figueredo, faziam plantão num observatório incrustado no Cerro Pachón, uma montanha de 2.700 metros de altitude nos Alpes chilenos. Poucas horas antes, um comunicado da universidade americana da Carolina do Norte avisava que o Swift, um dos satélites da agência espacial americana Nasa, acabava de registrar um foco intenso de energia nos confins do Universo. A rajada de raios gama, conhecida pela abreviatura GRB, é o sinal da explosão de estrelas imensas, das quais surgem os buracos negros, os ralos cósmicos de onde nada escapa, nem mesmo a luz.

Embora sejam os eventos mais exuberantes depois do Big Bang – a grande explosão que deu origem ao Universo –, a rajada de raios gama não é tão fácil de ser flagrada. Ela pode durar frações de segundo ou poucos minutos e libera até 300 vezes mais energia que o Sol no decorrer de toda a sua vida. Por obra do destino, e dos sensores infravermelhos que equipam o telescópio Soar (Observatório Austral para a Pesquisa em Astronomia) – uma parceria entre o Brasil e três instituições americanas de pesquisa –, Cypriano foi o primeiro no mundo a captar as imagens do que se descobriu depois ser o objeto mais antigo focalizado pelo ser humano. Batizada de GRB 050904, a explosão cósmica ocorreu há quase 13 bilhões de anos, quando o Universo era um bebê, tinha algo como 700 milhões de anos. Só foi possível chegar a essa matemática a partir do trabalho de Elysandra, que é especialista em processar as informações recolhidas pelos telescópios.

“Demorei ter noção do que a gente tinha conseguido, quando vi um dos estudantes dando um sorriso e percebi que era algo grande”, conta Cypriano. “Fiquei empolgado, mas não quis demonstrar nenhuma emoção na hora”, lembra o astrônomo, casado há seis anos com Elysandra. Ao chegar em sua casa, na província de La Serena, enfim o casal celebrou à altura. Brindou com um vinho tinto chileno o que para eles é uma glória, já que ambos são co-autores de uma das mais fascinantes descobertas recentes da astronomia.

Primeira divisão – Inaugurado em abril do ano passado, o Soar custou US$ 30 milhões, sendo US$ 12 milhões pagos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que detém 34% do projeto. Ao todo, 15 pessoas trabalham no observatório: seis delas astrônomos – quatro brasileiros. A participação financeira na sociedade dá direito aos brasileiros de olhar para o céu estrelado durante 100 noites por ano, o que é uma façanha.

“Uma das mais antigas ambições da humanidade é investigar os primórdios do Universo. Agora podemos estudar suas propriedades quando ele tinha menos de um milhão de anos”, diz o astrofísico brasileiro João Steiner, presidente do consórcio que administra o telescópio instalado no Chile. “O Soar ainda está na fase de sintonia fina dos instrumentos. A partir de fevereiro, ele passará mais da metade do tempo só fazendo ciência de vanguarda”, promete. Orgulhoso, Steiner diz que é um marco importante o fato de serem brasileiros os primeiros a registrar a luminosidade da explosão que ocorreu há quase 13 bilhões de anos. “Até então, nosso time tinha jogado só na segunda divisão do campeonato mundial da ciência. Agora atingimos a maturidade e chegamos à primeira divisão”, diz Steiner. Já começam com um tremendo gol de placa.