Eles passam a vida tentando aliviar o sofrimento alheio. À beira do leito dos pacientes, têm a missão de combater a dor física causada pela doença e suavizar as dores da alma provocadas pelo medo da morte. São médicos e enfermeiros com uma rotina de emoções que oscila entre a alegria de anunciar uma vitória e a sensação de impotência diante de um quadro irreversível. São pessoas que desafiam os limites da superação, cuidando de portadores de males agressivos, como o câncer, sem deixar que as angústias e os sentimentos interfiram no trabalho. O fato, porém, é que esses profissionais também sucumbem à dolorosa tormenta dos enfermos. Como conseqüência, padecem de problemas como stress e esgotamento mental que freqüentemente resultam em depressão.

Por isso, cuidar de quem cuida está virando urgência. Estudo recente com médicos da
rede pública de saúde da Inglaterra revelou
que 33% dos especialistas em câncer estão estressados e 41% têm exaustão emocional. Alguns dos motivos para esse cenário, segundo a pesquisa, são a falta de melhores condições de trabalho e de apoio psicológico por parte das instituições. “Isso mostra que os médicos estão sob forte pressão e precisam de suporte”, declarou Alex Markham, chefe do Instituto de Pesquisa do Câncer daquele país.

No Brasil, não há estatísticas a esse respeito. No entanto, a sobrecarga emocional tem sido uma preocupação nos grandes centros de tratamento oncológico. O Instituto do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, iniciou há dois anos um programa que oferece suporte aos profissionais que lidam com os doentes. Isso inclui a criação de grupos com médicos e enfermeiros para discutirem assuntos complexos, como diagnósticos graves e morte. “As reflexões compartilhadas ajudam a aliviar o stress e a administrar os conflitos diários”, conta a psiquiatra Liliane Penelo, coordenadora do projeto. Em São Paulo, o Hospital do Câncer criou este ano um programa de suporte coordenado pela psiquiatra Célia Costa. Ele é voltado para quem lida com crianças e adolescentes atendidos pelo grupo de Cuidados Paliativos, que assiste pacientes cujos tratamentos já não surtem efeito e que enfrentam mais de perto o risco de morte. “Quando um médico ou um enfermeiro se abate demais com a perda de um doente, o estimulamos a falar de seu sofrimento com o grupo. Essa é uma forma de ajudá-lo a entender, por exemplo, que
não houve falha no seu trabalho”, afirma Célia.

Iniciativas como essas podem diminuir as chances de um especialista entrar em depressão, algo que às vezes ocorre devido à natureza do atendimento. Além disso, estados depressivos podem ser agravados porque ainda existe resistência dos médicos em buscar ajuda. “Alguns receiam expor aquilo que consideram fraqueza. E não é isso. O programa é uma oportunidade de o profissional lançar um olhar mais cuidadoso sobre si”, completa Célia. Para a psicóloga Alessandra Arrais, da Universidade Católica de Brasília, a dificuldade para recorrer a um suporte tem origem na formação médica. “O especialista é preparado para salvar, e não para lidar com o insucesso do tratamento. Então, quando ele depara com essa situação, não sabe o que fazer e muitas vezes adoece”, diz. Procurar esse tipo de apoio é uma medida importante. Afinal, sucumbir à angústia, depois de ter resistido tanto em silêncio, pode comprometer a própria saúde e também a vida de quem continua no leito, necessitando de cuidados.