A casa na rua Guaturamos, na Vila Nova Curuçá, bairro pobre da zona leste de São Paulo, era comum, sem nada chique. Essa era a concepção do menino Pedro (nome fictício), 12 anos, contratado eventualmente para cuidar do jardim dos japoneses Yonekura. Ele ganhava R$ 10 e muitos pirulitos quando terminava de cortar a grama, recolher as folhas mortas e arrancar o mato. “Eles gostavam muito das plantas”, contou Pedro, sem ter a idéia de que os japoneses depositam em seu jardim a filosofia budista de interação com a beleza e a harmonia do universo. Hoje, o jardim do casal de aposentados Tadashi, 68 anos, e Futaba, 64, é lembrado por Pedro não por seus elementos, que representavam a vida, proporcionando paz e tranqüilidade. Mas sim pela tragédia. Ele viu de perto o horror da chacina que matou o casal, os filhos Nilton, 26 anos, e Fátima, 31, e a mulher do outro filho, Willian, 29, Érica, 28, que levou um tiro na cabeça apesar de estar com o filho de 11 meses no colo. Willian sobreviveu ao massacre. Alertado por muito fogo dentro da casa, Pedro ajudou um colega, que pulou o muro, a socorrer o bebê que chorava muito. Desde a madrugada do domingo 11, Pedro só consegue olhar o jardim pelo portão.

O vigilante Ricardo Francisco dos Santos, 26 anos, amigo de infância de Nilton e também pai de um bebê de 11 meses, juntou-se a Celso Alencar dos Santos, homicida foragido do presídio de Franco da Rocha, para assaltar a família. Depois de cinco anos longe dos pais, os decasséguis (filhos ou cônjuges de imigrantes japoneses que vão trabalhar no Japão), Fátima, Willian e a mulher chegaram no sábado pela manhã ao Brasil, dia em que Tadashi e Futaba conheceram o neto. A dupla invadiu a casa no mesmo dia, por volta das 20 h, e durante 12 horas cometeram todos os tipos de atrocidades para arrancar os dólares trazidos do Japão. As vítimas conseguiram juntar US$ 30 mil, mas remeteram via banco US$ 27 mil. Não satisfeitos com os US$ 3 mil encontrados, pediam mais. Ricardo foi reconhecido pelos Yonekura, apesar de estar com o rosto coberto por uma camiseta. Filho de um pedreiro também amigo da família que fez inúmeros trabalhos na casa, ele ajudou a espancar, amarrar e atear fogo em Tadashi, Futaba e Nilton.

Willian levou três pauladas na cabeça e ficou desacordado. Dado como morto, escapou de ser carbonizado vivo, como aconteceu com seus pais e seu irmão, porque o tinner acabou e o álcool doméstico teve, por lei, seu poder de combustão bastante reduzido. Fátima foi morta com um tiro na cabeça, assim como a cunhada. Willian está hospitalizado e passa bem. Ele pretendia voltar com a família para o Japão. Mas se encontrassem um negócio viável para investir ficariam no Brasil.

O massacre aterrorizou a comunidade nipo-brasileira e chocou até mesmo o calejado delegado do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), Luiz Fernando Lopes Teixeira. “Qualquer crime é uma crueldade, mas esse foi cometido por um amigo da família, que estudou desde a infância com Nilton. E seu pai chegou a fazer inúmeros trabalhos para esta família. É inacreditável.” O delegado esclareceu ainda que Ricardo, que está preso e alega ter apenas amarrado as vítimas, não passava por dificuldades. Estava empregado há dois anos. O irmão de Futaba, o advogado Tsuneto Sassaki, lembrou que a irmã e o marido eram pessoas simples que passaram a vida trabalhando para comprar um lugar para morar. Conseguiram isso há menos de dez anos. Foi com o dinheiro dos filhos que eles realizaram o sonho de reformar a casa. “Você trabalha a vida inteira, não machuca ninguém, é honesto e acontece uma coisa dessas! O que eles fizeram para merecer isso? Se alguém tiver uma resposta, me diga, por favor, porque até agora eu não a encontrei.”