21/09/2005 - 10:00
Paulo Maluf preso! Se essa notícia fosse dada há alguns anos, certamente seria tratada como piada. Talvez fosse mais fácil achar petróleo em São Paulo – numa alusão a uma das mutretas de Maluf, a malfadada Paulipetro – do que vê-lo atrás das grades. Mas, para espanto de muitos, não é que na madrugada do sábado 10 o homem do “rouba mas faz” foi parar na cadeia! E não foi sozinho. Horas depois, seu filho Flávio se juntou a ele na carceragem da Polícia Federal em São Paulo. Ambos tiveram a prisão decretada pela juíza federal Sílvia Maria Rocha. A magistrada entendeu que os Maluf estavam ocultando provas e constrangendo testemunhas, no caso o doleiro Vivaldo Alves, o Birigüi, um dos responsáveis pelo envio do dinheiro desviado dos cofres públicos para contas da família no Exterior. A prisão daquele que era considerado o maior ícone da impunidade no País deixa uma pergunta no ar: a praga que assola o Brasil desde os tempos da colônia está finalmente chegando ao fim?
Acontecimentos recentes indicam que sim. Os Maluf não foram as únicas personalidades a trocar o noticiário político e as colunas sociais pelas páginas policiais. Os diretores da cervejaria Schincariol, o advogado Rogério Buratti e Eliana Tranchesi, a dona da luxuosa Daslu, passaram pelo constrangimento de uma prisão transmitida em cadeia nacional. Mas nada se compara à queda do outrora todo-poderoso Maluf. Para Jorge Maurique, presidente da Associação dos Juízes Federais, a detenção do ex-governador e ex-prefeito de São Paulo é simbólica. Ele faz um mergulho nos anos 80 para dar a exata dimensão do fato: “Quando o compositor Lobão foi preso por porte de drogas, eu me lembro de ele se queixar que estava preso enquanto o Maluf estava solto. Essa prisão é emblemática e indica que ninguém mais neste país está acima da lei.” Apesar de reconhecer o avanço no campo da responsabilidade penal de ricos e famosos, o juiz acredita que o processo só se consolidará com o aprimoramento do Código Penal. “Há um excesso de recursos e pareceres que emperram os processos. Esse é um dos fatores que levam o sujeito a cometer delitos. Precisamos tornar esses instrumentos mais ágeis e precisos”, afirma Maurique.
Pesadelos – A opinião é compartilhada pelo sociólogo Inácio Cano, do Laboratório de Análises da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Para ele, a impunidade vem diminuindo. Mas para que o País avance ainda mais na luta contra
o mal é necessária a adoção de uma série de mudanças no âmbito legislativo. “Temos que lutar pelo fim da prisão especial, pelo fim dos recursos protelatórios
que provocam a morosidade da Justiça, pela extinção da lei que impede a prisão
do réu primário. Precisamos não apenas de apuração e punição, mas de prevenção”, afirma o sociólogo. Porém, não há prevenção maior do que o
impacto que uma prisão como a de Maluf provoca na sociedade. Afinal, ser exibido algemado para milhões de telespectadores pelo Brasil afora é algo que ninguém deseja, nem em seus mais tenebrosos pesadelos. “A prisão de Maluf provocou
um efeito muito forte no imaginário social, principalmente nas elites. Ela representa
o fim da sensação de impunidade. Daqui para a frente, os fraudadores vão pensar duas vezes antes de cometer um crime”, afirma o cientista político pernambucano Michel Zaidan. Ele ressalta que a erradicação da impunidade depende de uma sensível mudança estética e cultural na sociedade brasileira. O pernambucano lembra que a inimputabilidade é fenômeno cultural, nascido na sala da casa
grande que oprimia a senzala.
A prisão de Maluf provocou certa euforia. Prova disso foi a colocação de uma faixa na frente da carceragem da PF. Nela se lia: “ver Maluf e sua cria encarcerados não tem preço”. Muito dessa satisfação, chamada de “robin-hoodismo” por Zaidan, foi provocada pela exibição das cenas de Flávio algemado por agentes da PF, procedimento que já havia sido visto recentemente na detenção dos diretores da Schincariol e de Buratti. A chamada pirotecnia é repudiada por Paulo Brossard ,ex-ministro da Justiça do governo Sarney. O homem do chapéu panamá classificou a postura dos policiais no caso de Flávio e Buratti de inqualificável e abusiva: “Não se tratava de um preso notoriamente perigoso. Isso é coisa para a platéia, para pôr na tevê e no jornal.” A indignação desaparece quando o ex-ministro se refere à prisão de Paulo Maluf. Brossard a considerou um fato relevante, por envolver uma pessoa que governou o Estado e a Prefeitura de São Paulo. Seu colega de ofício, o juiz federal Luciano Godoy, tem a mesma opinião. Na noite da quinta-feira 15, ele indeferiu o pedido de habeas-corpus impetrado pelos advogados do ex-prefeito. Assim, Maluf e o filho vão passar mais alguns dias consumindo a comida que Maluf pai não daria nem para um cachorro na carceragem da PF. A decisão é mais um duro golpe contra essa praga que teima em castigar o País.