18/08/2004 - 10:00
O trabalho em uma organização não-governamental (ONG) representa a satisfação de conciliar a carreira com a busca de soluções para os mais variados problemas sociais do País. É uma área que se torna cada vez mais atraente e na qual as oportunidades se multiplicam, ainda mais nesses tempos em que a sombra da recessão se espalha e reduz as boas opções do mercado. O interesse é cada vez maior com o avanço e o fortalecimento do chamado terceiro setor (o primeiro é o Estado, o segundo o mercado e o terceiro as ONGs). O segmento cresceu de fato, embora ninguém saiba o seu real tamanho.
Segundo o Mapa do Terceiro Setor, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, essa área seria formada por cerca de 300 mil ONGs, com um movimento de R$ 10 bilhões e empregos para 1,2 milhão de brasileiros. Mas há um problema nos números: nessa classificação aparecem todas as entidades civis consideradas de utilidade pública no País. De igrejas e terreiro de umbanda a associações de criadores de orquídea, clubes de futebol e xadrez, sociedades amigos de bairros, hospitais e grandes universidades privadas (que geram lucro, mas também são beneficiadas com isenção de impostos). Assim, qualquer um nesse meio é considerado ONG. E há diferenças entre as organizações sociais. Existem as fundações e institutos ligados a empresas – reunidos no Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife) ou no Instituto Ethos de Responsabilidade Social – e entidades com raízes fincadas nos movimentos sociais e com ação mais política, como as filiadas à Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong).
As organizações sociais, na verdade, sempre existiram. Só que nunca foram tão visíveis. “A maioria era administrada de maneira informal, sem práticas modernas de gerenciamento”, observa a professora da USP Rosa Maria Fischer, coordenadora do Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor da FIA/USP (Ceats). “E também as escolas de administração formavam pessoas para trabalhar na iniciativa privada e na administração pública, mas nunca para uma Apae, por exemplo.”
Hoje, os doadores cobram contrapartida, querem resultados e o executivo passou a gerenciar a área social. Diante do desafio de criar ações que gerem resultados concretos, o profissionalismo se transformou em palavra-chave. Agora, exige-se que a entidade seja auto-sustentável. E as ONGs são mais fiscalizadas do que as empresas. Dessa forma, para se candidatar a uma vaga na área não basta um bom coração. “É preciso saber trabalhar em equipe, ter capacidade analítica e conhecimento de políticas públicas”, explica Gabriel Ligabue, gerente de desenvolvimento institucional do Gife.
Até o final da década de 80, as ONGs não passavam de ajuntamentos de pessoas bem intencionadas, cheias de projetos, mas com baixa qualificação para alcançar objetivos. “A mobilização tinha como objetivo principal o protesto e, eventualmente, a atuação em projetos alternativos”, lembra o antropólogo Rubem César Fernandes, coordenador do Viva Rio, uma das maiores ONGs do País.
Não demorou muito até que doadores nacionais e internacionais que sustentam essas entidades descobrissem que estavam injetando dinheiro em iniciativas utópicas, que não surtiam efeito. De lá para cá, estabelecer e alcançar metas
passou a ser uma obsessão.
Atualmente, pessoas das mais diversas áreas se interessam pela questão social. “Trabalho no terceiro setor desde que me formei, em 1999”, conta a advogada pernambucana Fabiana Gorenstein, 29 anos, que trabalha na organização sueca Save The Children e, antes, passou pelo Gajop (ONG de defesa dos direitos humanos). Ao ingressar no mercado de trabalho do terceiro setor, o profissional deve conhecer seus prós e contras. A área tem uma característica incômoda: em sua grande maioria, os projetos das ONGs são temporários, um desconforto para quem está acostumado à estabilidade. O problema é menor nos institutos e fundações ligados a empresas. Outro ponto a ser considerado é que os salários não são muito altos. “Mas há um mito de que ONG paga mal. Tem aquelas que pagam bem e permitem uma boa condição de vida”, ressalta Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos, que há 17 anos se tornou um “empresário social”, como ele se define.
Rosa Fischer alerta que o terceiro setor não é necessariamente “um novo Eldorado” e os candidatos a vaga na área precisam observar certos detalhes para não se iludir. “Primeiro, por mais que ele cresça, não irá abrigar todo mundo que vem do segundo setor. Segundo: não basta ter boas ferramentas gerenciais. A realidade é diferente de uma empresa. A pessoa vai trabalhar com recursos financeiros, materiais e humanos escassos. E principalmente trabalhar com padrões culturais arraigados. Terá de ter muita paciência para mudar a cultura dentro das organizações”, afirma a professora. Vale o sonho, mas é preciso ter os pés no chão.