Ninguém acuse os Estados Unidos de falta de criatividade bélica. Dentro de pouco tempo, em um campo de batalha como o Afeganistão ou o Iraque, os soldados não usarão mísseis teleguiados, metralhadoras ou fuzis. A grande novidade no front é uma tecnologia que parece tirada da série de filmes Jornada nas estrelas. Em vez de tiros, a arma dispara rajadas de energia que paralisam o inimigo como se ele trombasse de frente com um muro invisível.

Seu funcionamento lembra o de um forno de microondas. As moléculas de água da pele se aquecem de tal forma que o corpo parece arder em chamas. Bastam três segundos para que a vítima se renda, subjugada, em profunda dor e agonia. “A sensação é de que a pele pegou fogo”, descreve o porta-voz do laboratório de pesquisa da Força Aérea americana, Rich Garcia. Assim como outros cientistas envolvidos no projeto, Garcia faz parte da equipe de 200 voluntários que, aliás, não recebe nada para se postar na mira do canhão.

Chamada de Active Denial System (ADS), a geringonça lembra uma antena parabólica. Foi encomendada pelo Pentágono à Raytheon, a fornecedora dos equipamentos de vigilância da Amazônia, o Sivam. Envolto num manto de sigilo sobre sua potencialidade e alcance, o projeto consumiu 11 anos e pelo menos
US$ 50 milhões. Uma de suas versões foi acoplada a um veículo militar. No futuro, as armas poderiam também equipar aviões e navios.

Especialistas do Departamento de Defesa dos EUA afirmam que a traquitana não causa danos à saúde. Seu objetivo é “incapacitar pessoas, minimizar fatalidades, ferimentos permanentes e danos a propriedades e ao meio ambiente”. Pelo relato de quem recebeu o tiro, a sensação de incômodo desaparece tão logo acaba o disparo. Nem sequer deixa evidências de tortura, como manchas ou marcas na pele.

Embora os testes estejam avançados, o Pentágono avisa que a ADS não foi usada em batalhas. Alguns duvidam. Espera-se para o final deste ano a exibição dos protótipos. Se tudo correr bem, a arma entraria em operação em 2005. Foi o bastante para provocar saia-justa. A Cruz Vermelha chegou a solicitar investigações independentes para avaliar riscos e eventuais efeitos colaterais da ADS.

A mais renomada arma não-letal para neutralizar adversários é a pistola Taser, que dispara corrente elétrica no lugar de balas. Nos EUA, ela é usada por quase um terço da força policial, e muitas agências creditaram a ela o número reduzido de disparos fatais. Alguns ativistas de direitos humanos sugeriram uma moratória no uso das Tasers até que se confirme seu papel em casos recentes de morte.

Um deles ocorreu em julho, em Toronto, no Canadá, quando o boxeador Jerry Knight, 29 anos, morreu depois de um choque com a polícia. O resultado da autópsia foi inconclusivo, mas fez emergir o debate sobre o uso de pistolas com descarga elétrica para incapacitar suspeitos. As autoridades canadenses alegam que a polícia usou a pistola Taser mais de 200 vezes antes, sem nenhum caso de ferimento.

Pela verba reservada às armas não-letais nos EUA se vê que a coisa é séria: saltou de US$ 9,3 milhões, em 1997, para US$ 43,3 milhões, em 2004. Pouco, segundo o Conselho de Relações Exteriores, que recomenda US$ 200 milhões. Parte das milícias americanas já disparou essas armas. No Iraque, sabe-se que os soldados usaram o rifle M4, que em uma de suas versões traz acoplada
uma pistola Taser. Os refratários dizem que as armas que não matam estimulam ainda mais a violência. Como se sabe, crueldade nunca esteve em falta entre soldados americanos. Seus comandantes não deixam por menos. Sugerem balas recheadas de calmante Valium, idéia que só não foi adiante porque esse arsenal seria considerado arma química.