18/08/2004 - 10:00
Nos estudos macroeconômicos, o que vale são índices como superávit primário, balança comercial e relação dívida-PIB, impenetráveis para o cidadão comum. No mercado financeiro, ficam todos de olho no risco-Brasil, na variação do Dow Jones ou na ata do Copom, também indecifráveis para a maioria dos brasileiros. Na hora de discutir economia, pouca atenção se dá ao essencial: o bem-estar da população. Mais valem dez pontos de queda no risco-Brasil do que um trabalhador empregado. A Bolsa em alta conta mais do que o nível de renda dos empregados. Vivemos, portanto, um momento raro, no qual a felicidade dos chamados “cabeças de planilha” – analistas que lidam com a frieza dos números – encontra algum respaldo na realidade. A boa maré da economia carrega consigo quem estiver disposto e pronto a aproveitá-la.
“Junho já foi um mês legal. De julho em diante, fechei quatro contratos que estavam em negociação desde o primeiro semestre”, avalia o empresário Pierre Mantovani, dono da Tribal Interativa (www.tribal.com.br), uma empresa de tecnologia e marketing – duas áreas consideradas não-essenciais pelas empresas e que sofreram forte retração nos últimos três anos. “A economia está respirando. Quem estava gastando um real agora está gastando cinco”, diz Mantovani, que planeja agregar mais algumas pessoas à sua atual equipe de 44 funcionários para acompanhar a retomada da economia.
Assim que concluir as contratações, o empresário estará contribuindo para a redução do índice de desemprego, já em queda. Em abril, o IBGE somou 13,1% de desocupados nas seis principais regiões metropolitanas do Brasil.
Em junho, a mesma taxa recuou para 11,7%. Um ano antes, 13% da população encarava a falta de trabalho, ainda segundo o IBGE. Melhorou, mas de qualquer forma ainda são 2,5 milhões de pessoas esperando uma oportunidade na área
de abrangência da pesquisa. Outra boa notícia, esta para quem dorme tranquilo sabendo que vai acordar empregado: a média salarial em junho subiu para
R$ 886,60, contra R$ 871,09 de maio.
O superávit primário – a economia feita pelo Tesouro Nacional, que segura as
pontas o quanto pode para gastar menos do que arrecada –, que tanto encanta
os economistas ligados ao mercado financeiro, anda apresentando números brilhantes. No primeiro semestre, o Brasil guardou mais dinheiro do que o Fundo Monetário Internacional (FMI) exige: a economia superou os R$ 46 bilhões, o que
dá segurança aos credores da dívida. O exemplo parece ter contaminado o
brasileiro comum, que também anda controlando suas contas. Em julho,
3,6 milhões de pessoas renegociaram ou quitaram seus débitos e se livraram
do cadastro negativo, segundo a SPC Brasil, uma empresa de análise de crédito. Outros 2,7 milhões viraram inadimplentes, o que dá um saldo de quase um milhão de pessoas com o nome limpo na praça em um mês. Em junho, o saldo havia ficado negativo em 300 mil pessoas.
Não se discute mais se haverá crescimento. Ele já está nas ruas. O debate gira
em torno agora da capacidade de sustentação dessa boa maré. O presidente
Lula fala em 30 anos de crescimento. É um exagero, mas há bases para crer
que há condições de uma longa curva de prosperidade. Principalmente porque o mundo está crescendo. Os Estados Unidos, mesmo concentrados nas eleições presidenciais, vêm mantendo a economia em bom estado. A recessão ficou definitivamente para trás. A China já avisou que vai reduzir seu ritmo brutal de crescimento, mas o fará de maneira controlada e responsável. O Japão está
saindo de uma década de desaceleração. Na Europa, o ritmo de crescimento
é lento, mas constante.
Petróleo – As duas grandes ameaças que pairavam sobre a economia global parecem estar sendo contornadas com galhardia: a elevação dos juros americanos e o petróleo. Na segunda-feira 9, o Banco Central dos Estados Unidos subiu pela segunda vez em 40 dias a taxa básica da economia. De 1,25% ela passou para 1,5%. Os mercados, ao contrário do que se temia há alguns meses, comemoraram a medida. Havia o medo de que esse movimento fizesse desviar os recursos com destino a países em desenvolvimento, como o Brasil, para a segurança do porto americano. O petróleo continua dando seus sustos – rompeu os US$ 45 na semana passada –, mas o estrago da alta não deve chegar próximo de um choque como o dos anos 70.
Sorte do empresário Marcelo Borgo, sócio da World Line Logística, uma pequena empresa de entrega de brindes. Ele depende de combustível para percorrer o País com os cinco mil deslocamentos realizados por mês. Em 2004, ele acredita que seu negócio vai crescer até 80% em relação a 2003. “O número de entregas cresce mesmo no fim do ano, mas eu já sinto uma alta de 60% nas consultas realizadas até agora”, diz Borgo, que planeja agregar mais cinco pessoas ao seu corpo de 15 funcionários. “As perspectivas melhoraram”, afirma. Não é preciso ser um “cabeça de planilha” para sentir.