Há duas semanas, a cidade de São Paulo assistiu a um desfecho, neste caso feliz, de um sequestro de uma menina de apenas 12 anos. Ela foi pega na saída do colégio, o tradicional Dante Alighieri, enquanto voltava a pé para casa. A garota ficou 70 dias em cativeiro e algumas colegas de classe contaram que ela havia comentado ter medo de sequestro. Esta semana, outro caso bem parecido: um garoto de 13 anos e aluno de um colégio particular da zona oeste de São Paulo também foi pego por sequestradores quando saía da escola, a pé, e ia para sua casa a poucos metros dali. Ele ainda não foi libertado. Não existem estatísticas, mas boletins de ocorrência dão conta de que 16% das vítimas de sequestro no Estado de São Paulo têm menos de 17 anos. Histórias como essas deixam pais e filhos cada vez mais atemorizados. E por isso mesmo, se antes os vilões das crianças eram apenas bichos-papões, lobos maus, homens do saco, hoje esses seres fantasiosos dão as mãos a algozes bem reais como ladrões, sequestradores, terroristas e desemprego e passam a povoar, todos, a mente das crianças.

É este assunto que a psicóloga australiana Janete Hall disseca em seu livro Bicho-papão não existe (ed. Fundamento), best-seller em seu país e recém-lançado no Brasil. Há 20 anos ela estuda os medos infantis e constatou que o contato cada vez mais estreito com a mídia – e, consequentemente, o noticiário – tem feito com que a fantasia natural dos pequenos se agrave com a dura realidade que se deparam. E surgem então os novos medos. Se aqui as principais preocupações são sequestros e roubos, lá fora é comum as crianças ficarem assustadas com um eventual ataque terrorista, sobretudo depois do 11 de setembro. Mas, claro, a mídia não é a única culpada. Nas grandes cidades, a falta das brincadeiras de rua (até por conta da violência) e dos quintais faz com que os pequenos convivam mais intensamente com adultos e assimilem suas preocupações. A psicóloga infantil Isabel Kan, da PUC-SP, explica que as crianças absorvem a conversa dos adultos e, se eles comentam muito sobre violência, isso naturalmente se reflete nos pequenos. “Na ficção infantil, o mal sempre perde. Quando ouvem conversas e assistem aos noticiários, percebem que o mal não está só nos desenhos, filmes e jogos, mas também na vida real e são pessoas comuns, como tantas que vêem nas ruas”, afirma.

Até os seis anos, entretanto, o mundo imaginário das crianças ainda prevalece sobre o real. Nessa fase, seus temores estão mais relacionados à perda dos pais, monstros, palhaços, insetos e outras fantasias. No escuro, a imaginação aguçada tende a enxergar imagens irreais e é comum eles se assustarem com objetos encontrados pela casa. A fase dos seis aos dez anos é talvez a que requer mais atenção porque a capacidade de elaboração e compreensão aumenta e as crianças misturam os universos real e imaginário. “Nesse período, elas estão mais antenadas e são influenciadas pelo que vêem e ouvem na mídia e pelas conversas dos adultos”, comenta Janete. Ao mesmo tempo, a imaginação ainda está a todo vapor e, por isso, ainda acreditam em fantasmas, monstros e vilões ficcionais. Depois dos dez anos, a criança já elabora e compreende bem o que acontece ao seu redor e tende a ter medo dos riscos concretos.

Diálogo – Foi justamente depois de um gesto espontâneo da mãe, a dentista Maristela Frias, de São Paulo, que Lara, seis anos, passou a ter medo de ladrão. “Estávamos no carro à noite e eu pedi para fechar o vidro. Ela perguntou por que e eu expliquei que no escuro é mais difícil de enxergar se alguém vier nos assaltar”, lembra Maristela. A menina, que já tinha medo de cachorro, agregou mais este temor à sua cabecinha. Antes de dormir, Lara passou a checar portas e janelas da casa para não vir ladrão. Tudo sob o olhar atento da irmã mais nova, Liz, três anos, que tem prevenção contra insetos. Com a ajuda do marido, Antônio, Maristela viu aí a chance de transformar o lobo mau em herói. “Explicamos que não existe risco de entrar ladrão em casa porque nosso cão está aqui para protegê-la. O lobo mau virou o guardião que nos defende de ladrões. Matamos logo dois medos,” comemora o casal.