Atualmente em excursão pelos Estados Unidos com o guitarrista americano John Pizzarelli, o pianista, arranjador e compositor paulistano César Camargo Mariano vem sendo ovacionado sempre que o anfitrião o apresenta como um dos responsáveis pelo histórico disco Elis & Tom, de 1974. A citação de Pizzarelli não é gratuita. Afinal, o encontro musical dos dois ícones da MPB transformou-se em álbum de cabeceira de gerações mundo afora. Pois foi na qualidade de arranjador da maioria das músicas do disco, cujo repertório inclui totens sonoros da estatura de Águas de março, Corcovado, Retrato em branco e preto e O que tinha de ser, que Mariano dirigiu a remixagem do álbum que agora é relançado nos formatos CD e DVD audio em edição especial de 20 mil cópias – metade para o mercado internacional – em embalagem dupla. Elis & Tom também traz duas faixas bônus: uma nova versão de Fotografia e a pouco conhecida Bonita, cantada em inglês e cortada do LP original por insistência da intérprete que não ficou contente com sua pronúncia. Para completar, Mariano descobriu nas fitas, contagens, conversas, começos falsos e finais cheios de improvisações que decidiu não apagar para conservar a atmosfera das gravações.

O relançamento acontece por um acordo entre João Marcello Bôscoli – filho da cantora com Ronaldo Bôscoli e diretor da gravadora Trama pela qual o CD está chegando ao mercado – e Max Pierre, da Universal Music, detentora dos fonogramas da Philips, à qual Elis Regina (1945-1982) pertencia. Originalmente, a gravação de Elis & Tom foi um presente oferecido pela gravadora em comemoração aos dez anos de carreira de Elis. “Como ela não era mulher de Mercedes-Benz e outras frescuras, pediu para gravar com o maestro”, relembra Mariano. Mas havia um problema. Chateado com as vaias recebidas em 1968 no III Festival Internacional da Canção por cantar Sabiá, Tom Jobim (1927-1994) decidiu que “o Brasil era inviável” e passou a morar em Los Angeles. Também não havia verba para Elis e seus músicos irem para os Estados Unidos. O milagre da junção aconteceu pelos poderes do empresário Roberto de Oliveira – um entusiasta da idéia, que conseguiu passagens aéreas com a Rede Bandeirantes em troca de um documentário –, com a ajuda do lendário produtor Aloysio de Oliveira, ex-integrante do Bando da Lua de Carmen Miranda. E assim a história foi feita.

Um Tom Jobim de braços abertos, terno e flor na lapela recebeu o grupo em Los Angeles.  Mas era pura fachada. Ele estava apavorado.
Havia lançado o LP Matita perê (1973) e preparava-se para gravar Urubu (1975), dois trabalhos  sérios e introspectivos. Elis Regina e César Camargo Mariano chegaram com todo o gás. Selecionadas as 40 músicas, começou o carnaval. Jobim não queria saber dos arranjos daquele rapaz de 30 anos para quem repetia: “Mariano, notas brasileiras não valem nada diante dos papéis e lápis daqui.” Depois de vários panos quentes, durante quatro dias a paz reinou no imponente estúdio da MGM. Tom Jobim e Elis Regina gravaram cercados por Mariano (piano), Luizão Maia (baixo), Hélio Delmiro (guitarra), Paulinho Braga (bateria) e pelo violonista Oscar Castro Neves, brasileiro radicado nos Estados Unidos.

A versão em DVD audio – formato com alta definição sonora, por enquanto compatível apenas com a parafernália de um home theater – recria fisicamente aquele ambiente. Se a nova mixagem do CD faz com que o baixo apareça e a distinção entre as várias cordas, violões e guitarra soem celestiais, o DVD simplesmente coloca o ouvinte no meio do estúdio. É o mesmo conceito surround do cinema, ou seja, o som à volta de quem ouve. Mariano chegou a fornecer uma planta baixa do estúdio americano para os técnicos se orientarem. “Naquela época, os instrumentistas em todo o mundo entravam no estúdio sabendo que apenas 50% ou 60% de seu trabalho chegariam ao disco”, conta o músico. “O resto seria comprimido ou simplesmente cortado para possibilitar a gravação em vinil.” Agora, finalmente pode-se ouvir exatamente o que Tom Jobim ouviu na madrugada em que atendeu César Camargo Mariano e o técnico Humberto Gatica, então novato e hoje uma lenda nos estúdios, excitadíssimos com a fita ainda fresquinha. De pijama, copo de uísque na mão, Jobim fez os dois entrarem, ouviu e, entre outras pérolas do seu humor, comentou: “Esse menino Paulinho Braga elevou a bateria à categoria de instrumento musical.” Bebamos.