12/01/2005 - 10:00
Governo assume envio de doações, ao lado de empresas aéreas, marítimas e dos Correios. Mas quer fazer mais
Aos olhos estrangeiros, o Brasil é visto como um país de gente afável, acolhedora e generosa. Qualidades que se materializaram de fato nos últimos dias. O Brasil solidário emergiu diante da destruição na Ásia e numa resposta rápida o País se mobilizou para ajudar as vítimas da tragédia. Coube ao Rio de Janeiro liderar as doações de alimentos e roupas usadas, lençóis e cobertores. Até a quinta-feira 6, 500 toneladas de donativos foram recolhidas ao 23º Batalhão Militar, no Leblon, zona sul. O surto solidário revelou anônimos de imensa boa vontade, como o aposentado Darcy de Almeida, 68 anos. Ele pegou dois ônibus de Del Castilho, zona norte do Rio, até o Leblon para levar seu saco recheado de roupas usadas. “Foi horrível ver criancinhas famintas”, disse ele, que pretendia repetir a viagem com mais donativos seus e dos vizinhos. Num contraste à solitária sacola de Almeida, o casal André de Oliveira Peixoto, dentista, 29 anos, e Cristiane Peixoto, administradora, 25, chegou ao batalhão com o carro lotado de roupas e alimentos. Cristiane distribuiu cartazes para a arrecadação no prédio onde mora, na farmácia, na videolocadora e nos prédios vizinhos. Estava especialmente comovida com a história de uma criança de nove anos da Indonésia. “Ela não parava de chorar, não se lembrava de nada e perdeu os pais.” O que era antes um estande de tiros do batalhão virou um depósito lotado de caixas de papelão – também doadas – com donativos selecionados por cerca de 200 voluntários, a maioria de aposentados e alguns lutadores de jiu-jítsu e caratê, que usam a força física para fazer o bem.
Adolescente engajado – Em São Paulo, a arrecadação começou no réveillon
da avenida Paulista. A Defesa Civil colocou postos de arrecadação em todos os acessos da avenida e o prazo de entrega que encerraria com a passagem do ano acabou prorrogado, por pressão de pessoas que queriam participar. Na noite do dia 31 foram arrecadados quatro toneladas de alimentos, 80 mil peças de roupas e 9,8 milhões de unidades de remédios. “São Paulo transformou a noite de confraternização num grande ato de solidariedade ao povo da Ásia”, definiu o governador Geraldo Alckmin. O casal Edilene de Oliveira Freitas e o marido, Manoel, estava entre os envolvidos na ajuda. Foram ao supermercado, gastaram R$ 50 e depois doaram as compras. Fizeram questão da companhia do filho adolescente, Felipe, 16 anos. “Ele não queria vir, mas eu o convenci a se engajar”, disse o pai. Mais do que engajada estava a publicitária Adriana Krochne, 35 anos. “Estou de férias, mas mesmo assim vim ajudar.”
Mas o empenho dos brasileiros às vítimas do maremoto acabou se tornando um problema para a embaixada do Sri Lanka, que, na quinta-feira 6, decidiu não receber nenhuma doação em forma de mantimentos. Eles já receberam mais de 300 toneladas, mas não têm como guardá-las. A embaixada do Sri Lanka faz um apelo para que novas doações sejam feitas exclusivamente em dinheiro, em uma conta do Banco do Brasil – agência
Depósitos cheios: mantimentos no Rio de Janeiro e em São Paulo à espera de um destino
1606-3, conta 46034-6, em nome da Embaixada da República Democrática Socialista do Sri Lanka, CNPJ 047.66273.0001-00. Mesma recomendação faz a Cruz Vermelha Brasileira. O escritório central da entidade, no Rio de Janeiro, abriu uma conta no Banco do Brasil destinada às doações – agência 2865-7, conta nº 400.087-0, em nome da entidade, cujo CNPJ é 33.651.803.0001-65. A entidade, que tem 17 filiais no Brasil e também está recebendo toneladas de doações, quer evitar o mesmo tipo de problema da embaixada do Sri Lanka. O dinheiro arrecadado pela Cruz Vermelha do Brasil será depositado na conta da Cruz Vermelha Internacional. O escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) também tem uma conta disponível no Banco do Brasil – agência 3382-0, conta nº 404700-1.
Diante dos problemas logísticos, o governo decidiu bancar a remessa das doações recolhidas até agora aos locais atingidos pelo maremoto. A decisão foi tomada na quinta-feira 6, durante uma reunião do presidente Lula com os ministros envolvidos no apoio. O governo vai pagar pelo transporte, que será negociado com transportadoras aéreas e marítimas para baratear o custo. A Varig já anunciou que transportará parte dos donativos, assim como algumas empresas especializadas no transporte marítimo, que disponibilizaram contêineres. O que for arrecadado por prefeituras, entidades assistenciais, ONGs, governos estaduais e embaixadas será encaminhado às Forças Armadas, que armazenarão e embalarão para transporte. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) ficará encarregada de encaminhar os donativos para os portos e aeroportos. A idéia é transportar apenas os mantimentos arrecadados até o momento. Em princípio, a operação federal não se estenderá a novas doações.
Nada de ciúmes: Erica e os três filhos, disposta a adotar órfão da Indonésia ou do Sri Lanka
Uma ajuda mais ampla envolvendo a participação brasileira no processo de reconstrução das áreas atingidas está em discussão. O governo cogita de mandar o porta-aviões São Paulo com 1.200 soldados da Marinha, além de tropas do Batalhão de Engenharia do Exército, helicópteros das Forças Armadas. Atitude que vem sendo criticada por alguns setores, inclusive militares. Avalia-se que o Brasil faria um gasto desnecessário se entrasse nesse tipo de empreitada, uma vez que países ricos estão determinados no esforço de ajuda.
Até o momento, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) organizou três vôos do Brasil. O primeiro, na quinta-feira 30 de dezembro – um cargueiro 707 da FAB –, levou 16 toneladas de alimentos e medicamentos doados pelo governo brasileiro. Na segunda-feira 3, um DC-10 cedido pela Varig e abastecido com combustível doado pela Petrobras Distribuidora decolou para Colombo, capital do Sri Lanka. Levava 60 toneladas de água doadas pela Schincariol, antibióticos, analgésicos e outros medicamentos dos estoques do Ministério da Saúde. Outro 707 da FAB partiu para a região na sexta-feira 7 levando mais água (doação da Ambev) e nove toneladas de medicamentos liberados pelo governo de São Paulo. Cada viagem de um equipamento 707 para a região custa em média US$ 400 mil, incluindo taxas e combustível. O governo mineiro, por sua vez, colocou à disposição das vítimas estoques de água potável e, mais importante, uma estação compactada de tratamento de água, com capacidade para ensacar 30 mil litros de água. À disposição, também, três técnicos para operá-la.
Na terça-feira 11, o ministro-chefe do GSI, general Jorge Félix, participará da reunião de países doadores de ajuda humanitária às vítimas do maremoto, em Genebra. O Ministério das Relações Exteriores ainda tenta localizar 99 brasileiros. São pessoas que moram na região e, depois da tragédia, ainda não entraram em contato com suas famílias. Apenas dois (a conselheira do Itamaraty e seu filho) estão oficialmente mortos, enquanto 282 já avisaram os parentes que estão bem.
Adoção – Além do volume de doações, há outras manifestações de generosidade explícita. A professora carioca Erica de Araújo Pavan, 38 anos, se dispõe a adotar uma menina da Indonésia ou do Sri Lanka. A idéia ganhou a adesão do marido, o comerciante Roberto Pavan, e dos outros três filhos. “Eles já sabem que o bebê não vai roubar o espaço de ninguém, sempre cabe mais um”, argumenta. O problema não são eventuais ciúmes. Por enquanto, adoções são desaconselhadas, até porque não há certeza ainda de que os pais das crianças não serão encontrados.
Os solidários: em SP, o casal Edilene e Manoel fez o filho Felipe se engajar na campanha (à esq.); no Rio, o aposentado Darcy e sua solitária sacola e o casal André e Cristiane, que encheu o carro, depois de recolher doações entre vizinhos