01/09/2004 - 10:00
Pouso… Decolagem… O sobe-e-desce de aeronaves marca o ritmo alucinante de passageiros que lotam os aeroportos. Para a maioria, os terminais são meros espaços de trânsito, impessoais e frios, onde milhares de pessoas desfilam suas malas sem sequer perguntar os nomes uns dos outros. A paisagem é diferente para quem permanece ali, dia após dia, sem bilhete ou bagagem. No mais recente filme de Steven Spielberg, O terminal, que estréia no Brasil em 10 de setembro, Tom Hanks vive um cidadão da Europa Oriental que desembarca em Nova York no mesmo dia em que um golpe de Estado em seu país torna inválido seu passaporte. Impedido de entrar nos Estados Unidos – e também de voltar para casa, já que as fronteiras são fechadas após o golpe –, o personagem é obrigado a improvisar seus dias no aeroporto enquanto espera uma solução. Por culpa de uma burocracia menos fictícia do que se imagina, a situação se arrasta por nove meses.
O filme apresenta, com pinceladas de terror, o que os frequentadores assíduos de aeroportos estão cansados de saber: construídos para servir de entrepostos de passageiros, os terminais tornaram-se espaços preferenciais na vida de muita gente. Os funcionários que o digam. Das 100 mil pessoas que circulam diariamente pelo aeroporto internacional de Cumbica, em Guarulhos, por exemplo, 22 mil trabalham ali (outros 32 mil são passageiros e os demais, seus acompanhantes). Não precisam fazer check-in nem esperar a hora do embarque. Mas vivem como ninguém o cotidiano do terminal. Suas lojas, lanchonetes e serviços são sua segunda casa. “Fico nove horas por dia no aeroporto. Abri conta em uma das agências bancárias do terminal para não ter de sair daqui. Faço as unhas e eventuais escovas no salão do aeroporto e, se tenho de comprar algum presente em cima da hora, vou a uma de suas lojas”, conta Joice Barleta dos Santos, 30 anos, vendedora da H.Stern há sete. “Até o happy hour a gente faz em um dos cafés do terminal. O que falta são opções com preços mais acessíveis”, diz.
Joice não é a única a reclamar do alto custo de vida. A supervisora do setor
de bagagem da Varig em Cumbica, Luciene Gaetan de Nadai, 29 anos, lembra
que a concorrência entre companhias aéreas, principalmente com a entrada
de novas bandeiras no mercado, contribuiu para popularizar o acesso ao
transporte aéreo. “O aeroporto recebe pessoas de todas as classes, mas
não oferece opções de alimentação e consumo para a classe C. As lojas são
muito caras e as lanchonetes, proibitivas para a maioria dos funcionários”,
conta ela. “Mesmo quem pode pagar acaba enjoando de comer fast-food todo
dia. Muitas vezes, prefiro trazer umas bolachinhas e esperar para jantar em casa”, diz. A reivindicação é a mesma de Angelita Soares, 30 anos, subgerente da livraria Laselva. “Os preços das lanchonetes são para turistas, não para funcionários. E falta um restaurante de verdade, com arroz, carne, saladas. Se alguém abrisse uma churrascaria aqui, certamente se daria bem”, acredita. Na livraria, Angelita constata um dos sintomas da falta de opções de lazer. “A primeira coisa que o passageiro faz depois de saciar a fome é ir à livraria. Tem turista que fica horas folheando revistas e não leva nada”, entrega.
O tráfego cada vez mais intenso de aeronaves e a crescente preocupação com a segurança fizeram aumentar o tempo de permanência dos passageiros. No Brasil, folhear
revistas e assistir a tevê ainda são as únicas alternativas na maioria das cidades. O publicitário Gianfranco Beting, publisher do portal Jetsite, especializado em aviação, viaja o mundo todo para fotografar aviões e conhece mais de 200 aeroportos. Em um breve diário de viagem, dá para perceber o atraso dos terminais brasileiros em relação aos estrangeiros. Aqui, as marcas desse mundo particular ainda se restringem fundamentalmente a serviços de primeira necessidade, como correios, farmácias e bancos. Lá fora, a ousadia é a regra. “O aeroporto de Changi, em Cingapura, tem um lago com cascata e carpas ornamentais, além de templos de diversas religiões e até um spa. Em Amsterdã, há um cassino dentro do aeroporto. Em Tóquio, um museu da aviação, e, em Miami, um clube com academia, pista de cooper, piscina e sauna”, conta Beting.
Apaixonado pelo assunto, Beting explica que a proliferação de atrativos em aeroportos tem uma razão econômica bem objetiva. “Privatizadas, as administradoras de aeroportos perceberam que, sem ajuda do governo, não é fácil terminar o mês com as contas no azul. Esse fenômeno se repete em todo o mundo, não apenas no Brasil”, diz. “A solução mais óbvia é atrair gente aos terminais e oferecer opções de consumo para que passageiros e acompanhantes gastem dinheiro enquanto esperam. A Infraero, acostumada a meter a faca, só agora começa a realizar reformas”, alfineta. As mudanças começaram em 2000, quando entrou em vigor o novo conceito de aeroshoppings desenvolvido pela empresa. Em 2002, o aeroporto de Porto Alegre ganhou três salas de cinema. No ano passado, foi a vez de o aeroporto de Brasília ganhar quatro salas, além de uma praça de alimentação. “Ficou bem moderno. Agora o passageiro em escala tem liberdade para, se quiser, ficar no aeroporto enquanto espera o próximo vôo”, diz Waldeck Costa Almeida. Baiano, 65 anos, ele conheceu o aeroporto de Brasília quando o lugar ainda era de madeira e, desde 1970, faz ponto no terminal como guia turístico. “Mas não tenho medo da concorrência. A maioria dos turistas ainda vai preferir aproveitar o tempo para dar uma volta na capital”, acredita.
O plano de obras da empresa se estende por diversas cidades, sempre visando à ampliação da rede de serviços. No aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o mais movimentado do País, foi inaugurada no dia 15 uma nova área de embarque com oito fingers (corredores suspensos que ligam as salas às aeronaves), mas outras obras estão previstas para os próximos dois anos, quando outros 15 aeroportos também serão reformados. Entre as novidades está, por exemplo, a construção de uma academia de ginástica no novo terminal de Cumbica. Salas de banho, espaços culturais e clínicas de massagem são outras propostas para o futuro. “Em Porto Alegre e Brasília, havia espaço para investir em atrativos para os moradores do entorno, que passam a se dirigir aos terminais como se fossem ao shopping. Isso não acontece em Cumbica. No entanto, é o aeroporto com o maior número de funcionários e de conexões internacionais da América Latina. Precisa oferecer alternativas para entreter essa população”, justifica a gerente de desenvolvimento mercadológico da Infraero, Mariângela Russo. Depois de inaugurada a tal academia, quem sabe Tom Hanks não se sinta à vontade para nos fazer uma visita?