01/09/2004 - 10:00
O americano Paco Underhill provavelmente já estabeleceu algum recorde de visitas a shopping centers. Pelo menos 20 de seus 51 anos foram dedicados a peregrinações aos templos do consumo. Da Coréia ao Brasil, passando por todos os continentes, esse consultor especializado no consumo conspícuo gastou várias solas de sapato num trabalho que segue os rigores da antropologia. Não por acaso, Underhill foi considerado pela revista Forbes americana um dos nomes a ser observados atentamente numa lista de grandes pensadores de tendências econômicas e sociais. A empresa de consultoria e estudos mercadológicos que gerencia em Nova York, a Envirosell, possui entre seus clientes gigantes como Wal-Mart, Blockbuster e McDonald’s. Mantém escritórios em diversos países – inclusive com filial em São Paulo – e é considerada também pela Forbes uma das 100 blue-chips (maiores empresas) dos Estados Unidos.
Tanta dedicação aos corredores de shoppings rendeu material para dois best-sellers. O último deles está nas livrarias de 15 países e, no Brasil, ganhou o título A magia dos shoppings (Editora Campos). Em 253 páginas, o autor mostra como esses grandes empreendimentos se tornaram ícones do século XX ao atrair e seduzir as massas. Em um dos capítulos, Underhill cita o Shopping Iguatemi de São Paulo como exemplo de criatividade. “Os brasileiros se apoderaram das inovações do Primeiro Mundo e as reinventaram para suprir suas necessidades”, diz ele. Em seu escritório de Manhattan, Underhill explicou a ISTOÉ os motivos de sua admiração pelos shoppings brasileiros e revelou um pouco do futuro do segmento. O autor vem a São Paulo para participar do I Seminário Internacional de Visual Merchandising, que acontece dia 31 no Senac.
ISTOÉ – O sr. diz ter ficado impressionado com os shoppings brasileiros, principalmente com o Iguatemi de São Paulo. Por quê?
Paco Underhill – O motivo de minha admiração é que os centros de compras brasileiros possuem características que não se vêem em outra parte. Como muitas outras coisas que chegam ao Brasil, o conceito de shopping foi adaptado criativamente às necessidades locais. Nota-se, por exemplo, que, além das lojas, existem pequenos negócios prestadores de serviço: um sapateiro, um chaveiro, uma lojinha de reparos de aparelhos domésticos e todo um universo de comércio que não existia em outros shoppings. Foi no Brasil que isso começou. Essa oferta de serviços, embora não renda muito em aluguel para a administração, acaba atraindo freguesia. Aprendi muito em minhas visitas ao Brasil e acho que outros pesquisadores também.
ISTOÉ – O sr. diz que o primeiro shopping surgiu há sete décadas em Edina, Minnesota. O sr. já esteve em Turim, onde as galerias dão voltas pela cidade,
com quilômetros de corredores cobertos e cheios de lojas?
Underhill – Você não é o primeiro a questionar minha afirmação sobre Edina.
Tenho recebido muitas reclamações de gente apontando outros locais para esse nascimento. Não estive em Turim, mas Londres também tem esse tipo de galeria, que chamamos aqui de “arcadas”. São centros de compras centenários, mas que não se enquadram na categoria que analiso. Minhas observações e estudos são sobre aquelas caixas de concreto, no meio do nada, cheias de lojas dentro. Este é um fenômeno tipicamente americano. Só poderia ter acontecido neste país. Aliás, é de espantar que existam modelos semelhantes fora dos Estados Unidos.
ISTOÉ – Que outras características diferenciam os shoppings brasileiros dos americanos?
Underhill – O barulho, por exemplo. Fiquei impressionado com o barulho nos shoppings brasileiros. É curioso que grande parte desse barulho seja produzido pelos saltos dos sapatos das mulheres. Aí está outra característica bem brasileira. Nos Estados Unidos, as pessoas vão aos shoppings usando tênis, não se
vestem de forma elaborada para fazer compras. As brasileiras se arrumam,
colocam salto alto, estão mais atentas à aparência. Outro pioneirismo brasileiro foi a construção de supermercados dentro dos shoppings. Nos Estados Unidos, isso é algo recente. Também a arquitetura dos shoppings já era bem mais elaborada no Brasil do que o conceito de caixa de cimento que tínhamos nos Estados Unidos. Essa tendência de grandes portais é coisa recente na América do Norte. Notei também algo muito estranho: o Iguatemi, por exemplo, tem portais enormes e muito elaborados, só que a maioria das pessoas não entra por ali. Elas preferem as entradas laterais, que ligam diretamente aos estacionamentos. Os portais suntuosos não fazem muito sentido.
ISTOÉ – Qual é o pior shopping center do planeta?
Underhill – É um da cadeia Ikea, na periferia de Moscou. É completamente desbaratinado. Não faz nenhum sentido. É difícil para a população chegar lá, principalmente porque a maioria das pessoas não tem carros, e o desenho do interior não está baseado em nenhum conceito prático. É um exemplo de forma
que não respeita a função.
ISTOÉ – Qual será o futuro dos shoppings?
Underhill – Acho que o conceito de shopping centers nos Estados Unidos está esgotado. Não vejo muito futuro para eles. Hoje, há um rejuvenescimento dos grandes centros urbanos, que foram recuperados depois de anos de decadência. Muitas famílias de classe média, cansadas de ter de pegar o carro para comprar um litro de leite, voltam a morar no centro. Não é por acaso que existem tantos shoppings sendo desativados e demolidos neste país. O que eu gostaria de ver implantada é a idéia dos caminhões cibernéticos. Funcionariam assim: em minha casa, com meu computador, eu faço uma lista daquilo que desejo comprar, desde alimentos até utensílios domésticos, móveis e roupas. Está tudo listado no site do caminhão cibernético. Aí, vou até o local onde o caminhão está parado e um funcionário me entrega todas as mercadorias que encomendei. O caminhão pode estacionar, por exemplo, numa praça onde são vendidos vegetais: o mercadinho ou a feira que vocês têm no Brasil. Lá eu vejo meus amigos, dou uma olhada nos produtos da feira, mas o grosso da compra já foi feito pelo computador.