i51734.jpgCom seu veneno habitual, a editora da revista Vogue americana Anne Wintour fez a seguinte observação sobre o mundo dos famosos: “Se você ligar para Nicole Kidman e disser a ela que Joe Smith vai fotografá-la no mês seguinte, ela boceja. Mas se você ligar dizendo que Annie Leibovitz quer fazer um retrato dela, Nicole vai estar à sua frente na mesma noite e toda feliz.” Foi justamente o que aconteceu em 2003, nessa fantástica foto tirada em Nova York, reproduzida ao lado. A avaliação de Anne Wintour, personagem de O diabo veste Prada, dá a exata medida da importância da fotógrafa americana no mundo das artes e da informação: Annie é hoje a maior retratista, título suficiente para tornar a exposição Annie Leibovitz – a photographer’s life (1990-2005), em cartaz até o dia 14 de setembro na Maison Européenne de la Photographie, em Paris, um dos grandes acontecimentos culturais da cidade. E o documentário A vida através das lentes, dirigido pela irmã da artista Barbara Leibovitz, em um verdadeiro panorama de como evoluiu o tratamento dado às celebridades nos últimos 40 anos. A exposição de 200 fotos, que depois de Paris segue para a National Portrait Gallery, de Londres, dificilmente chegará ao Brasil. Mas o DVD do filme estará disponível nas locadoras a partir da próxima semana.

i51735.jpgNa melhor parte do documentário, os grandes protagonistas do negócio das revistas nos EUA tentam explicar por que Annie é, aos 58 anos, imbatível em sua área. E quem dá a explicação mais convincente é a jornalista Tina Brown, que durante muito tempo foi sua editora na revista Vanity Fair, na qual Annie tem o posto de fotógrafa número 1 desde 1983: “Antes da chegada dela à revista, as celebridades freqüentemente diziam não aos nossos convites. O nome de Annie foi o ‘abre-te, Sésamo’ para muitos, porque sabiam que ela faria algo extraordinário, que ela os forçaria a fazer coisas que não seriam capazes de fazer com outros.” Veja o caso da atriz Whoopi Goldberg, clicada dentro de uma banheira de leite: “Quando ela disse que ia me mostrar emergindo de algo todo branco eu disse: ‘Meu bem, faço o que você quiser.’ Durante semanas, todos os gatos do bairro me seguiram.” E Annie não é comedida em seus pedidos. “Poderia mover o seu traseiro mais para a esquerda”, diz ela ao ator George Clooney, que recebe a ordem com um sorriso amarelo, ao lado da atriz Julia Roberts, numa produção de encher os olhos

i51736.jpgEsse status é o resultado de uma entrega total ao seu ofício: Annie sempre achou que só se consegue uma boa foto ao se deixar contaminar pelo assunto. Ela começou aos 21 anos na revista roqueira Rolling Stone, justamente numa época em que a cultura das drogas estava no auge. Lá, assinou ensaios antológicos, como a cobertura da turnê dos Rolling Stones, da qual saiu, segundo a sua lógica da contaminação, viciada em cocaína. Precisou recorrer a uma clínica de desintoxicação e mudar de trabalho – ir para a glamourosa Vanity Fair.

Mas a passagem pela Rolling Stone, durante a qual se tornou a maior fotógrafa do mundo do rock, não foi feita só de loucuras. Foi na revista que Annie forjou sua assinatura, depois do histórico retrato de John Lennon e Yoko Ono, feito poucas horas antes da morte do ex-beatle, em 10 de dezembro de 1980. Como Yoko se recusava a tirar a roupa para a foto, Lennon a abraçou numa posição fetal, beijando-a no rosto. “Aquela imagem é a Pietà dos nossos tempos”, afirma no filme Jann Wenner, o criador da Rolling Stone, que decidiu publicar a capa sobre o assassinato de Lennon apenas com a imagem e sem qualquer texto escrito. Essa imagem, claro, está na exposição parisiense, assim como as inúmeras cenas familiares, entre elas os retratos de sua companheira, Susan Sontag, morta em 2004, e das três filhas, Sarah, Susan e Samuelle. “Não acredito na idéia de que você captura as pessoas quando as fotografa. A vida é muito maior e mais complicada. O que faço é tirar um pedacinho delas”, diz Annie. E que pedaço.

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