Ter uma boa vida sexual faz parte do conceito de saúde. Tanto é verdade que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem uma área dedicada ao tema, envolvendo diversos aspectos. Um deles diz que não basta a pessoa estar livre de doenças ou disfunções. É preciso que ela se sinta bem do ponto de vista emocional, mental e social. Pode parecer uma conversa muito adulta, mas não é exatamente assim. Se você é pai ou mãe, pense nos filhos que estão na escola, conversando com os amigos ou teclando no computador com os colegas – pessoas que, às vezes, estão mais presentes no cotidiano deles do que você. Se suas “crianças” já sabem disso de alguma forma, felicite-se. Ruim é descobrir que não entendiam nada de sexo quando aparecem com a notícia de uma gravidez inesperada.

A idéia de que o filho esteja interessado em sexo deixa muita gente aflita. Para alguns, o melhor é não tocar no assunto. Engano. O desenvolvimento sexual, diz a OMS, é uma parte normal da adolescência (dos dez aos 20 anos, segundo a entidade). Ou seja, não tem como fugir. “O sexo vai acontecer”,  crava Maurício Lima, médico de adolescentes do Hospital das Clínicas de  São Paulo. Já que não adianta trancar a garotada em casa, o correto é permitir  que eles se informem, de preferência com você, e aprendam que transa boa é aquela feita com carinho e proteção.

Uma dúvida comum é se os jovens estão amadurecendo antes do tempo. A médica Debora Gejer, presidente do Departamento de Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo, afirma que a puberdade (as modificações físicas) está se manifestando antes, em comparação ao início do século XX. Se no passado ela acontecia por volta dos 14 anos, hoje no Brasil ocorre aos 12. “Mas a sexualidade não depende de ter o corpo pronto.
Ela está associada ao contexto social, psicológico, familiar. Não devemos falar em idade, e sim em maturidade”, emenda. Para a pediatra – ou hebiatra, como é conhecido o médico especialista em adolescentes –, o papel dos adultos é fazer com que o jovem tenha condições de refletir se é importante ter uma relação sexual naquele momento e se ele se sente preparado para isso.

É até possível imaginar que nossos adolescentes (são cerca de 35 milhões) sejam experts no tema. Afinal, cenas sexies na tevê e cantoras sensuais pululam por aí. Porém, há muitos garotos e garotas imersos em confusão. “Há informação, mas elas não são bem compreendidas. Os adolescentes estão se iniciando mais cedo, mas com alguns medos, entre eles o do desempenho”, assegura a hebiatra Heloísa Andrade, de Minas Gerais.

Camisinha – Ser bom de cama é um dos mitos. A necessidade de ter uma superperformance (que surge na cabeça dos jovens, já que eles ouvem maravilhas do sexo em quase todos os lugares) está se transformando numa ameaça ao uso da camisinha. A menina pode não exigir o preservativo porque quer satisfazer o desejo do menino. E o garoto pode se sentir inseguro em relação à ereção e deixar a proteção de lado. Uma pesquisa do Projeto Sexualidade (Prosex) da Universidade de São Paulo, feita em 2003 com 2.558 alunos de escolas privadas e públicas, constatou que mais de 95% dos entrevistados sabem o que é sexo protegido. Na rede particular, 66% dos estudantes não transam. E dos que têm relações, 44,9% usam a camisinha sempre. Na rede pública, o índice de adolescentes que não fazem sexo é de 22%. Entre os que transam, 49% afirmam se proteger todas as vezes. Os demais alegam não usar o preservativo por diversos motivos (como o esqueci-mento). “Eles não estão transportando a informação para a prática”, comenta a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Prosex. O levantamento mostra também que, na média, a primeira transa ocorre aos 15 anos. “A iniciação vem caindo. Nos últimos seis anos, baixou mais um ano”, explica Carmita. De acordo com o sociólogo francês Michel Bonzon, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o problema da iniciação sexual no Brasil é que ela é feita sem preparo. “Ela acontece sem que se esteja preparado, ao contrário de outros países em que se pensa quando será a primeira vez”, diz Bonzon, que lançou o livro Sociologia da sexualidade (Ed. Fundação Getúlio Vargas).

Diante desses fatos, fica claro que não é apenas o caso de atulhar os jovens de livros sobre as formas de transmissão do vírus da Aids, por exemplo. “Já recebi meninas deprimidas porque não atingem o orgasmo. Arrasadas porque não ouvem sinos tocar. E, como se sentem cobradas pela sociedade que insiste em valorizar o clímax na relação, as garotas passam a fingir”, critica o ginecologista Gérson Lopes, autor do livro Conversando com o adolescente sobre sexo (Ed. Autêntica). Segundo o médico, há uma ditadura do orgasmo. “As pessoas se avaliam para ver quem tem melhor desempenho. O garoto mente que foi ótimo na cama. E a menina, que sentiu muito prazer”, conta. A experiência da brasiliense Cibele (nome trocado), 17 anos, confirma essa pressão. “Meu namorado não era mais virgem e dizia que não queria que eu me arrependesse. No começo, senti muita dor. Não tive orgasmo. E ele ficou chateado. Expliquei que isso não acontece sempre e que muitas meninas sentem dor na primeira vez”, relata. Para Cibele, muitos meninos e meninas são “sem noção”, cobertos de idéias erradas. “Você tem de ir atrás de informação porque a que te dão não é suficiente”, afirma.

Histórias como essa mostram que é preciso ensinar aos pais que não se pode fugir da raia e que o educador tem um papel importante. “Se os pais pensam que não há espaço para essa educação em casa e se a escola não se julga preparada, quando o jovem aparece com uma dúvida é porque a ação precedeu a informação. Se a garota pergunta se sexo oral engravida, ela já fez sexo oral e está com medo de estar grávida”, analisa o sexólogo Márcio Schiavo, que escreveu Manual de orientação sexual (Ed. O Nome da Rosa). Ele recomenda que os pais se preparem para discutir sexualidade com os filhos. A professora Eliane Adami, de Campinas (SP), fala sobre sexo com naturalidade com a filha de 15 anos, Carol. “Tenho de orientar porque desde pequena ela faz muitas perguntas”, diz. Carol é virgem, assim como Fernando Valente, seu segundo namorado. Fernando, também de 15, é outro que encontra informação em casa. O pai é ginecologista e a mãe, pediatra. Ele sabe, por exemplo, que nas primeiras transas a garota pode sentir dor e que o orgasmo não acontece para todos. “Normalmente os meninos não gostam de falar sobre isso porque não querem demonstrar que não sabem”, avalia o rapaz.

Turma – É evidente que, mesmo que os pais queiram, eles não serão a única fonte de informação. Na adolescência, os amigos são importantíssimos. Frequentemente, é com eles que as “crianças” vão trocar figurinhas. Não se deve proibir esse contato. “Adolescente gosta de conversar com o amigo. Ele passa pelas mesmas aflições que ele. O que os pais devem fazer é se mostrar disponíveis”, reforça Miguel Perosa, professor da PUC/SP. O estudante Vinícius Lima, 16 anos, do Rio, é evangélico, virgem, conversa com os pais sobre sexo e já discutiu de tudo com amigos. “Tem coisas que só falo com eles. Masturbação, por exemplo. Planejo que a minha primeira vez será aos 17”, afirma. Vinícius faz aniversário em novembro.

Um espaço cada vez mais destacado pelos especia-
listas é a escola. O projeto Juventude e Sexualidade, implantado em dois colégios sob orientação da Universidade Gama Filho (RJ), discute temáticas apresentadas pelos alunos. “O programa é flexível. Se surgir algo interessante na novela, eles propõem e o professor discute”, esclarece Maria do Carmo de Andrade e Silva, uma das responsáveis pelo trabalho. Debater o que acontece na tevê faz parte. E se informar por ela também. Segundo Ricardo Hofstetter, autor da série Malhação (Rede Globo), voltada aos adolescentes, o sexo é um dos temas mais pedidos pelos jovens telespectadores. “Somos informativos, mas tomamos o cuidado de não nos tornarmos chatos”, conta.

No colégio Magister, de São Paulo, a sexualidade é debatida na aula de atualidades. A matéria começou a ser lecionada neste ano porque houve demanda. “Desenvolvemos a auto-estima do adolescente por meio de questões como sexualidade e relacionamentos. Quanto ao primeiro ponto, o foco é o que acontece com o corpo e as emoções”, diz a psicóloga Maura Domingues. Qualquer que seja o modelo de educação sexual, é vital a interatividade com o jovem. Um dos projetos da hebiatra Heloísa Andrade mostra com números que o método dá certo. O programa de Educação Afetivo-Sexual, criado com o apoio da companhia siderúrgica Belgo Mineira, atende seis municípios, envolvendo as redes públicas de saúde e de ensino. O objetivo é estimular o jovem a buscar informações sobre saúde sexual. Em agosto de 2000, foram ouvidos os beneficiados por esse trabalho (na época, dez mil alunos). Em dezembro passado, foi feita uma avaliação das modificações obtidas até então (o projeto já beneficiava 44 mil estudantes). O conhecimento de sexualidade subiu 55% e o uso de camisinha com um parceiro casual aumentou 178%.

Uma das razões desse sucesso é ter possibilitado ao jovem maior acesso aos serviços médicos. Encontrar um bom profissional de saúde para orientar a vida sexual é uma forma de garantir que o sexo não será uma experiência frustrante. Ginecologistas, em geral, são os especialistas mais procurados. Porém, urologistas começam a receber visitas mais frequentes de garotos. Eles têm ido até antes da primeira relação. “Os adolescentes de classes mais altas têm a informação, mas querem se assegurar. Os mais carentes demonstram desconhecimento. É comum que não perguntem nada ao pai porque ele não permite essas questões, já que ele mesmo não entende a dúvida”, observa o urologista Sidney Glina, da Sociedade Internacional para Pesquisa em Sexualidade e Impotência.

Além destes profissionais, o hebiatra é um importante aliado. A estudante paulista Pamela Gastaldelli, 20 anos, recebe orientações desse tipo de especialista desde os 13. “Minha maior preocupação era como começar minha vida sexual”, lembra. Foi com o segundo namorado que ela perdeu a virgindade, aos 18 anos. “Tinha amigas que falavam que orgasmo era subir ao céu e não descer mais. Outros relatavam que não sentiam nada. Para mim, foi legal, embora tenha doído um pouco”, afirma. Ela contou para a mãe. O pai soube depois. “É bom que ele saiba porque não tenho aquele medo de ser pega escondendo algo”, brinca.

De fato, viver com o medo de ser descoberto é desconfortável. Se o adolescente se sente assim,
deve avaliar se vale a pena continuar calado. “
A primeira coisa é discutir mais o assunto com os pais. Não é chegar e falar: pai, transei. Precisa ser aos poucos. Diz que está saindo com alguém. Crie espaço para dialogar. Quando se tem estrutura familiar, enfrenta-se qualquer problema”, diz o estudante Flávio Drummond, 17 anos, de São Paulo.

Para que o sexo seja realmente prazeroso, é preciso haver conversa e intimidade também com o parceiro. Hoje, nesses tempos em que “ficar” é uma prática comum, esses dois ingredientes andam faltando na relação entre os adolescentes. “Ficar é fugir de um envolvimento mais profundo. Quanto mais intimidade, melhor a gente conhece o parceiro e tem mais liberdade para falar das preferências. É mais gostoso”, defende a atriz Juliana Didone, do alto de seus 19 anos. Ela, pelo menos, tem noção.