08/09/2004 - 10:00
O mundo todo viu pela tevê a cena hilariante. As seleções de vôlei de Brasil e Estados Unidos disputavam na sexta-feira 27 a semifinal da Olimpíada de Atenas. Os brasileiros venciam o jogo por 2 sets a 0 quando,
no meio do terceiro período, o jogador Priddy marcou um ponto, vencendo o bloqueio de André Heller e Ricardinho. Irritado com a raríssima falha de seu time, Bernardinho pegou a bola que pulou para fora da quadra e, aproximando-a da boca, aplicou-lhe uma dentada. O novo cacoete que o técnico acrescentava ao vasto repertório era a melhor expressão de seu perfeccionismo, num jogo em que o Brasil acabou vencendo por 3 a 0. Na final do domingo 29, o detalhismo de Bernardinho, aliado ao talento e à união dos jogadores, levou o time à consagração. Os brasileiros venceram os italianos por 3 sets a 1, numa partida cheia de lances espetaculares e com vários momentos de tensão para o técnico – que nessas horas mordia o próprio dedo. Relax mesmo só após o último ponto, quando a festa tomou conta do Estádio da Paz e da Amizade. Depois de subir ao pódio e receber a medalha de ouro, os jogadores comemoraram com um “peixinho”, um mergulho coletivo na quadra. Na volta ao Brasil, na quarta-feira 1º, a delegação teve no Rio de Janeiro uma recepção digna das seleções de futebol. O fecho literalmente de ouro para o trabalho de quatro anos de vitórias em todos os torneios permite o ufanismo: será esta a melhor seleção de vôlei de todos os tempos?
Mesmo hesitando diante da dificuldade de fazer comparações entre épocas diferentes, Bernardinho acaba por concordar. “Se essa equipe jogasse na regra antiga, com vantagem, seria imbatível. Na regra atual, acho que nenhum outro time seria hegemônico como nós fomos em quatro anos. Jogamos forte o tempo todo, tivemos um porcentual de vitórias altíssimo.” O ex-jogador Carlão, capitão da seleção que ganhou a primeira medalha de ouro para o vôlei, em Barcelona 1992, relaciona as três maiores equipes de todos os tempos e suas principais armas. “A URSS (1977 a 1980) tinha o Zaitsev, os Estados Unidos (1985 a 1988) tinham o Kiraly, mas esse grupo ganha no conjunto”, diz. O presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), Ary Graça Filho, acha que é impossível fazer esse tipo de comparação. “Hoje nós temos um voleibol de uma violência que não se pode comparar a equipes de outros tempos”, acredita. Um dos destaques da seleção que conseguiu medalha de prata na Olimpíada de 1984, Montanaro aponta uma vantagem para atual seleção brasileira. “A versatilidade é a diferença e a maior arma da seleção brasileira.”
Esse jeito versátil de jogar não é apenas resultado de dias seguidos de treinamento. Pode ser creditado também ao software que a comissão técnica criou especialmente para controlar as estatísticas da seleção. Com os números tabulados, os auxiliares de Bernardinho fazem uma análise tática perfeita de cada jogador. As informações são transmitidas por fone ao técnico, que, à beira da quadra, pode mudar rapidamente a forma de jogar da equipe. No jogo final contra a Itália, a comissão técnica detectou deficiências na recepção do saque adversário e também algumas falhas na distribuição de jogo. Os dados foram repassados para Bernardinho, que fez as modificações e o Brasil voltou a controlar a partida.
Em meio à alegria do bicampeonato olímpico, três jogadores mostravam alguma tristeza. Maurício, Giovane e Nalbert confirmaram que não voltarão a vestir a camisa da seleção. Na despedida, Nalbert confessou que antes da chegada de Bernardinho e de seus auxiliares estava desiludido com os rumos da seleção. “Mas todas as mudanças que eu desejava foram feitas”, elogiou. O desabafo confirma a competência de Bernardinho e do grupo. Apesar de a equipe ter conquistado 12 das 15 competições das quais participou, o técnico recusa rótulos que levem os jogadores a tirar os pés do chão. “Não nos consideramos um dream team. Certamente não temos a prepotência e arrogância deles e temos aquilo que eles não têm: somos um time e eles são um bando de astros que se juntam para jogar. Nossos atletas jogam juntos há muito tempo e sabem que dependem uns dos outros.” Na chegada de Atenas, o técnico confirmou a intenção de permanecer à frente da seleção pelos próximos quatro anos. Mal havia terminado o desfile festivo no Rio e Bernardinho, bem ao seu estilo, já fazia planos. “Vou descansar agora para voltar em breve ao trabalho”, adiantava, sorridente, levando a filha Julia no colo.