Chamar de amarelões os brasileiros que
deixam escapar vitórias ou medalhas quase certas é equivocado e injusto. Essa é uma das principais conclusões tiradas dos Jogos de Atenas pelo psicoterapeuta Antônio Carlos Amador Pereira, professor da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Nesta entrevista, ele detalha o que leva os brasileiros a ter uma relação tão passional com seus atletas.

ISTOÉ – O sr. acha que “amarelar” é o termo certo para os brasileiros que deixaram escapar o pódio nos momentos decisivos?
Antônio Carlos Amador Pereira –
Definitivamente não. Ouvi dizer que o fato de ser latino ou pobre poderia interferir no equilíbrio. Isso é um equívoco. Primeiro, porque o brasileiro não se identifica como latino, mas apenas como brasileiro. Segundo, porque conhecemos vários exemplos de ricos e pobres que crescem diante da pressão e também de ricos e pobres que sucumbem na pressão.

ISTOÉ – Explique melhor.
Amador Pereira –
Romário e Ronaldo Fenômeno, os dois de origem humilde, são exemplos de atletas que se agigantam quando são cobrados. Em Atenas, tivemos o futebol feminino e o Vanderlei Cordeiro de Lima. Em casa, você pode ser criado para ter equilíbrio emocional e estrutura psicológica em bases simples, sem necessariamente passar por uma educação formal, acadêmica. Torben Grael é um gênio da vela e recebeu educação sofisticada. Mas isso não impediu que ele perdesse o ouro no final em Sydney. Daiane arriscou para tentar superar as romenas, errou e foi muito corajosa ao admitir o erro

ISTOÉ – Mas o brasileiro é muito carente e a imprensa acaba levando
isso aos atletas.
Amador Pereira –
O Brasil é realmente um país em busca de identidade e afirmação – isso ocorre há pouco tempo, no máximo 100 anos – e só tem heróis no âmbito esportivo. As respostas afetivas da Nação são dadas apenas ao Pelé, ao Senna, ao Guga, aos heróis do esporte. Muitos sentem-se redimidos por esses heróis, que, afinal, fazem o mundo olhar para o Brasil com admiração e não lembrando de todos os nossos problemas e carências. É uma forma de poder se sentir próximo, igual ou até melhor do que algo que você sabe que é bom. Conforta.

ISTOÉ – E a mídia investe muito nisso nessas ocasiões, não?
Amador Pereira –
A mídia utiliza esse fator de forma pesada para gerar
audiência e renda publicitária. Como o Brasil nunca teve muita gente – 20,
30 atletas – em condição de ganhar ouro numa mesma Olimpíada, longe
disso, os jornalistas caem em cima das Daianes, dos Honoratos, dos Scheidts
da vida, tendo do outro lado milhões de brasileiros dispostos a dar o troco no
mundo. Uma combinação poderosa e, às vezes, perigosa. Neste quadro, quase todas as reações de força ou abatimento podem ser consideradas normais.
Ricas ou pobres, com ou sem curso superior, com este ou aquele sobrenome, as pessoas reagem bem ou mal às pressões muito mais por uma combinação de personalidade e outros efeitos do que pelo fato de serem latinas, brasileiras, nascidas num país emergente, ricas ou pobres.