Acusado de ter recebido propina do empresário Sebastião Buani em troca do aluguel de um restaurante para funcionários do Congresso, o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), já prepara o retorno à sua terra natal. Buani apresentou à imprensa, na quarta-feira 14, um cheque de R$ 7.500 descontado pela secretária de Severino, Gabriela Kênia Martins. Segundo o empresário, trata-se de parte do “mensalinho” que era obrigado a pagar ao presidente da Câmara. A “prova” surgiu na semana passada, mas Severino não acreditava que o cheque iria aparecer. Depois, ainda tentou se explicar. Disse que se tratava de um empréstimo a seu filho, Severino Cavalcanti Junior, que morreu num acidente durante campanha para deputado estadual em Pernambuco. Somente no final da tarde da quinta-feira 15 é que ele se deu conta da gravidade da situação. Foi quando recebeu em casa o seu maior aliado: o líder do PP, deputado José Janene (PR). Sem meias-palavras, ele disse: “Não dá mais, Severino!” E argumentou que já não via condições políticas para o amigo permanecer no cargo. O deputado comunicou que ele próprio decidira também desistir do mandato juntamente com outros colegas acusados de envolvimento com o mensalão. O pacote de renúncias inclui, além dos dois, os deputados Vadão Gomes (PP-SP), Pedro Henry (PP-MT), Pedro Correa (PP-PE), Vanderval Santos (PL-SP), Romeu Queiroz (PTB-MG) e José Borba (PMDB-PR).

A disposição da Câmara em punir os principais envolvidos nas denúncias de mensalão, mensalinho e corrupção em geral ficou clara para o grupo com a cassação, na quarta-feira 14, do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Mesmo aplaudido em plenário, durante seu discurso de defesa, ele perdeu de lavada: 313 votos contra 156. “Foi um recado aos demais acusados. Ou renunciam ou serão cassados”, declarou o deputado paulista Luiz Antônio Fleury Filho, colega de partido de Jefferson.

O presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PL-SP), disse que espera apenas receber da Mesa Diretora o processo contra Severino para dar início à tramitação. É o prazo-limite para o presidente da Câmara não correr o risco de não poder disputar as próximas eleições. Uma vez aberto o processo, em caso de condenação ele perde seus direitos políticos. A abertura dos processos contra os outros deputados, prevista para a mesma quarta-feira, foi adiada por conta de uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, determinando que os parlamentares apontados pela CPMI dos Correios terão que ser ouvidos antes da abertura de processo contra eles na Corregedoria. Até o ex-ministro José Dirceu acabou beneficiado pela medida. Mas o grupo de Janene sabe que é só uma questão de tempo. A decisão de renunciar já está tomada. Ex-líder do PMDB José Borba até escreveu seu discurso de despedida, em que afirma: “Não aceitarei ser julgado por um tribunal político de exceção. Não recebi mensalão, não paguei mensalão, não fiz nenhum ato desonesto. Estou limpo, posso encarar os olhos dos meus filhos, dos meus netos e do povo de meu Estado. Somente o povo do Paraná pode me tirar o mandato.”

Esconde-esconde – Severino resistiu mais porque se julgava blindado. Na manhã do domingo 11, o ministro da Coordenação Política, Jacques Wagner, procurou-o dizendo que o presidente Lula queria ter uma conversa a sós. Uma verdadeira operação de esconde-esconde foi montada com êxito. A imprensa divulgou que Severino esteve apenas com Wagner, mas aliados do presidente da Câmara contam detalhes do encontro com Lula. Severino chegou em seu carro no Planalto e, de lá, foi em outro carro para a Granja do Torto. Encontrou Lula ansioso, ao lado do ministro da Fazenda, Antônio Palocci. O presidente queria saber do estado de ânimo de Severino. Cabisbaixo e desanimado, o deputado anunciou que estava decidido a renunciar. A história mudou de rumo ali. Lula foi direto ao assunto: perguntou se Severino tinha culpa. O presidente da Câmara negou enfaticamente. “Então vá para a briga”, aconselhou o presidente com o endosso de Palocci. Severino saiu disposto ao confronto com a opinião pública.

Só que, enquanto ele ainda acreditava que o cheque não iria aparecer e o governo Lula estava engajado em salvá-lo, o líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), convocou uma reunião na noite de terça-feira 13, no apartamento do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). Lá estiveram os líderes do PT, Henrique Fontana (RS), do PSB, Renato Casagrande (ES), do PCdoB, Renildo Calheiros (PE), entre outros governistas da ala esquerda. Chinaglia queria saber o que podia ser feito para derrubar Severino e eleger um petista para seu lugar. A manobra foi abortada por Renildo. Dedo em riste, o comunista indagou de Chinaglia e do PT até quando iriam desrespeitar seus aliados. Cobrou coerência a Severino, já que Lula havia assumido o compromisso de ajudá-lo. Renildo explicou que defendia punição para Severino, mas não podia conviver com mais essa traição.

Manobra – O encontro de Chinaglia com os líderes aliados tinha a intenção de começar a discutir o nome que será apresentado pelos governistas para suceder Severino. Mas o consenso está distante. O PT comunicou aos aliados que veta qualquer nome que não seja do partido. E os petistas que sonham com a cadeira de Severino são quatro: o próprio Chinaglia, Sigmaringa Seixas (DF), José Eduardo Cardozo (SP) e Paulo Delgado (MG). Chinaglia é vetado pela oposição. Sigmaringa, antes aceito, se queimou após ir pescar com José Dirceu no último fim de semana. Sobrariam Cardozo e Delgado, que não têm simpatia do Campo Majoritário. Com tantas resistências, o PT aumenta ainda mais o fosso que o separa do comando da Câmara. Escreve o mesmo script da derrota sofrida para Severino em fevereiro, inclusive reacendendo velhas rixas internas, como o veto ao ex-ministro Aldo Rebelo. Indignado, Aldo desistiu da corrida, declarando que nem tem partido nem apoio para presidir a Câmara. O líder do PSB, Renato Casagrande, por sua vez, defendeu uma nova relação entre os partidos aliados: “É preciso restabelecer o diálogo, recompor a base, reabrir as conversas. Existe aqui na Câmara uma ausência de autoridade. Não podemos vetar nomes.”

Volta de Temer – Casagrande sabe que a escolha passa não só por um acordo entre os governistas, mas também com a oposição. “Não vetamos nenhum nome. Teremos candidato próprio ou apoiaremos juntamente com o PSDB um terceiro candidato”, admite o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ). E esse terceiro candidato começa a ser construído. Num jantar na casa do deputado Tadeu Filipeli (PMDB-DF), na noite da cassação de Jefferson, os peemedebistas se uniram para articular a candidatura do deputado Michel Temer. Até o próximo dia 30, o PMDB deve voltar a ser a maior bancada na Câmara, com a filiação de pelo menos cinco deputados. Nada está definido, mas, como disse o atual vice-presidente da Casa, deputado José Tomaz Nonô (PFL-AL), “não dá mais para continuarmos com líderes fragilizados, com a Mesa fragilizada. Assim, não vamos chegar a lugar nenhum”.