08/09/2004 - 10:00
Na virada de quinta 26 para sexta 27, véspera de seu aniversário, o jogador Deco, brasileiro naturalizado português, 27 anos, ganhou dois dos melhores presentes de sua vida: os prêmios de melhor jogador e de melhor meia da Europa no ano de 2003, entregues pela confederação européia de futebol. Ex-jogador do Porto, recém-contratado pelo Barcelona numa transação que girou em torno de US$ 21 milhões, Deco foi alvo de críticas no Brasil ao naturalizar-se português para jogar pela seleção daquele país, anulando a possibilidade de usar a camisa verde e amarela. Em entrevista a ISTOÉ, o jogador falou da nova vida em Barcelona, da importância do técnico Luiz Felipe Scolari e das pressões sofridas por ter desistido de tentar defender o Brasil.
ISTOÉ – Como foi sua transferência do Corinthians para Portugal?
Deco – Vim para Portugal em 1996. Não fui direto para o Porto, e sim para o Benfica. Tinha 19 anos e o Benfica me emprestou por um ano. Em seguida, fiquei mais três meses no Salgueiro e fui para o Porto. Depois de seis anos de residência, qualquer brasileiro pode pedir lá a cidadania. Já tinha dado entrada na papelada por conta própria porque isso facilita a vida do estrangeiro. A decisão de jogar na seleção foi outra coisa. Eles já estavam me sondando há uns dois anos, bem antes de a cidadania sair. Era meio reticente, não queria aceitar, achava cedo para tomar essa decisão, mas souberam que eu pedi a cidadania e a pressão aumentou. O presidente da federação me ligou insistindo no convite. Tudo coincidiu com a chegada do Felipão e a pressão ficou maior ainda.
ISTOÉ – Como nasceu essa identificação com Felipão?
Deco – A gente se conheceu em Portugal. Minha relação com ele é boa mesmo. Acho que essa cumplicidade nasceu porque eu sempre fui muito correto com ele. E ele valoriza isso. Vou contar uma coisa pela primeira vez. Quando começaram aquelas polêmicas todas em relação à seleção portuguesa, teve uma fase dura. Pensei em desitir. Raciocinava: “Não vale a pena ficar me estressando, esse desgaste…” O que me segurou foi o compromisso com o Felipão. Tinha dado minha palavra a ele e não queria falhar. Mas hoje é diferente. Estou na seleção porque gosto e tenho espaço para desenvolver meu trabalho.
ISTOÉ – Como foram os momentos mais duros?
Deco – Não foi tanto a reação dos portugueses, mas as posições da imprensa. A disputa entre Porto e Benfica ultrapassa o futebol – é quase uma guerra entre o norte e o sul do país. O poder está concentrado em Lisboa e o Benfica, que é de lá, tem muita força. Isso deu uma proporção errada ao fenômeno. As pesquisas mostravam que 80% das pessoas me queriam na seleção. Mas o Benfica não. Afinal, eu era um jogador do Porto e não da equipe deles.
ISTOÉ – Estrelas como Figo, Rui Costa e Fernando Couto te boicotaram?
Deco – Sinceramente… nunca vi nada, mas não posso saber se falavam mal por trás. Nunca foi uma relação de amizade, mas não acho que eles me quisessem mal.
ISTOÉ – Fale da sensação de perder a Eurocopa para a Grécia…
Deco – Perder final é muito frustrante. Acho melhor sair na semifinal, porque a expectativa é menor.
ISTOÉ – Ao escolher jogar por Portugal, você perdeu a chance de defender o Brasil. Chegou a se arrepender?
Deco – Não. Fiz a escolha certa pelo seguinte: por mais que todo jogador brasileiro sonhe em vestir a camisa da seleção brasileira – e eu não fujo à regra –, meu percurso foi exatamento o oposto do percorrido pela maioria. Em Portugal, muitos me queriam e, na seleção brasileira, não era esse o caso. Houve ocasiões em que eu poderia ter sido convocado no Brasil, mas isso nunca aconteceu. Então eu achei que aceitar o convite era também uma forma de retribuir o apoio que recebi. Mas sou e sempre serei brasileiro. Cresci no Brasil e amo o meu país.
ISTOÉ – Em que momento você mais sentiu falta de apoio do Brasil?
Isso te traz alguma mágoa?
Deco – No pré-olímpico para Sydney 2000. Tinha 21 anos e estava jogando no
Porto há um ano e meio. Disputávamos a Liga dos Campeões e eu estava numa fase ótima. Os jornais especulavam que eu seria convocado e até a CBF chegou a avisar o Porto. Mas acabou não acontecendo. E me deixou um pouco… (pausa) decepcionado… Como saí do Brasil quase desconhecido e me fiz fora, tinha que provar talvez o dobro do que alguém que estava lá. Isso me chateava. Estive seis anos no Porto e nunca surgiu a convocação. O Brasil só falou mesmo de mim depois que aceitei jogar por Portugal.
ISTOÉ – No último amistoso entre Brasil e Portugal, você fez o gol da vitória portuguesa. Qual foi a sensação?
Deco – (risos) Para o Brasil não tinha importância, então não passou de um gol normal. Mas para Portugal teve sabor especial – no futebol, o Brasil é o Brasil.
ISTOÉ – E a mudança do Porto para o Barcelona? Fala-se em US$ 15 milhões,
você confirma?
Deco – Como o meu contrato com o Porto ainda não tinha acabado, o Barcelona deu U$$ 12 milhões para o Porto, mais US$ 3 milhões de incentivo, que tem a ver com meu desempenho nos jogos, e os direitos de Ricardo Quaresma, jogador avaliado em US$ 6 milhões, que o Barça passou para o Porto na negociação.
ISTOÉ – Dizem que a negociação teve o dedo do Felipão…
Deco – Ele e um diretor do Barcelona chamado Sandro são amigos. Sei que deu força, falou bem, disse que eu era confiável.
ISTOÉ – Com você, Ronaldinho, Motta, Silvinho, Edmilson e Belletti, o Barcelona tem seis brasileiros. Isso ajuda na adaptação?
Deco – Muito. Eu já conhecia alguns e estou me dando bem com todos.
ISTOÉ – E como é jogar com o Ronaldinho Gaúcho?
Deco –
É um dos jogadores em melhor fase do mundo atualmente. Ele faz a diferença. Nada melhor do que tê-lo na equipe. Ruim é ter que jogar contra ele.