08/09/2004 - 10:00
Até os anos 40, quando as crianças extraíam as amígdalas elas eram envoltas em um lençol e presas a uma cadeira semelhante às usadas em restaurantes para atender os menorzinhos. A elas, nada se dizia, exceto duas coisas: que aquilo não passava de um curativo indolor e que depois o sorvete estava liberado. Mas a verdade é que a operação era feita com pouquíssima anestesia. Uma violência para os pequenos. Uma dessas cadeiras pode ser vista no Memorial da Pediatria, um misto de museu e centro de pesquisas inaugurado na Casa da Bica da Rainha, no Rio de Janeiro. A história do atendimento infantil no Brasil está no primeiro andar. O segundo piso abriga o banco de dados, com cerca de 700 dissertações e 600 teses sobre pediatria. São 15 mil itens de acervo.
O museu está aberto à visitação e expõe atrações como uma antiga sala de pediatria com microscópio, instrumento presente nos consultórios do passado, quando os próprios médicos faziam análises. Outra curiosidade é a Roda dos Expostos, uma peça de madeira giratória colocada nas portas das Santas Casas de Misericórdia. Nelas, as mães pobres abandonavam os filhos que não podiam criar – e as ricas deixavam os indesejáveis. A prática acabava preservando vidas, já que antes os bebês eram relegados à morte nas ruas. Em 1823, o imperador dom Pedro I comentou, em referência às rodas dos excluídos: “Vi que em 13 anos tinham entrado perto de 12 mil (bebês) e apenas vingaram mil, não sabendo a Misericórdia onde se encontram.”
As Santas Casas foram as pioneiras no atendimento de crianças. No início, misturavam os pacientes, mas depois passaram a separar os pequenos dos adultos. Em 1881, o médico Carlos Moncorvo de Figueiredo instalou em sua casa, no Rio, uma clínica onde passou a funcionar o primeiro curso de pediatria do País. “A especialidade começou como um movimento filantrópico e social”, explica Reinaldo Martins, presidente do Conselho Acadêmico da Sociedade Brasileira de Pediatria.
O passeio pela exposição leva a uma inevitável comparação com os dias atuais. A indumentária do passado, por exemplo, impressiona. Os trajes médicos se assemelhavam às togas dos juízes. A mostra termina com imagens da humanização da especialidade, por meio de campanhas de vacinação e de estímulo ao aleitamento materno. A aposentada pernambucana Lígia Rebelo, 64 anos, do Recife, sentiu na pele o desconforto das técnicas antigas. Ela teve suas amígdalas extraídas em uma daquelas estranhas cadeiras, aos seis anos. “Não havia explicação alguma. Criança naquele tempo não tinha vez”, recorda-se. Mas agora, tem.