08/09/2004 - 10:00
Vanderlei Cordeiro de Lima, 35 anos, está no céu. A 8.800 metros de altura, na poltrona 2J do Boeing 737 que o leva de volta para casa, na cidade de Maringá, norte do Paraná, onde mora desde os 16 anos. Pouco antes das 13h de quarta-feira 1º, o maratonista – medalha de bronze na Olimpíada de Atenas – atravessou lépido o saguão de embarque do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O homem franzino de 1,68 metro e 54 quilos empurrava numa velocidade de fundista o carrinho com 24,2 quilos de bagagem. O representante de um dos seus patrocinadores, a BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros, que lhe premiou com um quilo de ouro), o acompanhou até o check-in. Despediram-se a tempo de ele apenas ouvir um formal “Parabéns” da balconista. Vestia jeans, tênis, camiseta do Grupo Pão de Açúcar – outro patrocinador, ao lado da Prefeitura de São Caetano –, um boné branco, também do supermercado, e óculos. A bagagem mais incômoda era um quadro de vidro que reproduzia um anúncio publicado nos jornais na segunda-feira 30 de agosto, com uma foto sua e o texto: “Vanderlei, 180 milhões de pessoas acordaram hoje ainda mais orgulhosas de ser brasileiras.” Alusão ao episódio mais marcante dos 15 dias da Olimpíada de Atenas e que o teve como protagonista. Só quem vive numa caverna ou passou os últimos dias em coma profunda não sabe o que aconteceu naquele inesquecível domingo 30, último dia dos Jogos.
Apesar do filho-da-mãe – O brasileiro vencia a prova de 42.195 metros quando o ex-padre católico irlandês Cornelius Horan invadiu a corrida e o empurrou para a calçada. Vanderlei – ajudado por um providencial espectador bigodudo e gordota que ele diz ter sido seu anônimo “anjo da guarda” – voltou para a prova e conquistou a medalha de bronze, a única do atletismo brasileiro na competição, sob aplausos entusiásticos de perto de 20 mil pessoas que lotavam o estádio Panathinaikos. Ganhou também a exclusivíssima medalha Barão de Coubertin, que gratifica gestos nobres do esporte. Sua chegada, apesar de tudo feliz, imitando um “aviãozinho” com os braços abertos, se tornou a imagem-emblema dos Jogos. Sua humilde tolerância em relação ao infortúnio que pode ter lhe roubado o ouro olímpico ganhou o mundo. Vanderlei não sabe se ganharia, mas conhece o peso do prejuízo. “Numa prova, a parada é programada, você vai amortecendo o impacto. Lá, a interrupção foi brusca como se eu batesse de repente numa parede.” Portanto, ele está certo em considerar no mínimo infeliz a declaração do maratonista italiano Stefano Baldini, que disse que ganharia de qualquer maneira. Mas, sabe, o incidente o alçou à condição única de estrela planetária.
“Me disseram que hoje sou a pessoa mais conhecida do mundo”, disse, ainda apressado para embarcar. Além da enorme saudade de Maringá, tinha uma missão importante. “Preciso chegar lá e levar meu terno para a lavanderia. Na sexta-feira (3) vou ser padrinho de casamento do meu sobrinho Sandro, lá em Cosmópolis (interior de São Paulo).” Pela pressa, esqueceu no carro que o levou ao aeroporto em São Paulo uma mochila que guardava o ramo de oliveira da coroação e o buquê de flores, reservados à mãe, Aurora. Agitado, vasculhou as bolsas e aliviado encontrou a medalha. O cheque de R$ 200 mil, que acabara de ganhar das mãos do seu Abílio (Diniz, presidente do Conselho Administrativo Grupo Pão de Açúcar), estava salvo no bolso direito do jeans. O valor corresponde ao prêmio pela medalha de ouro que ele deixou de ganhar. A decisão de Diniz foi dar o prêmio integral, já que pelo bronze ele receberia R$ 70 mil.
Dentro do avião, o novo herói de bolso recheado não foi reconhecido de cara, até que um senhor, que se dizia um atleta na juventude, gritou. “Vanderlei, você encheu este país de brios, apesar daquele filho-da-mãe.” Vieram aplausos e uma fila para autógrafos se formou. Vanderlei, então, colocou em ação sua criação. Um autógrafo que, além da assinatura, inclui o desenho de um homenzinho correndo. “Vai ser minha marca registrada daqui para a frente, tenho que aproveitar o momento.” Calmamente, atendia um a um. Para o repórter de IstoÉ, confessou estar com dor de cabeça e com os músculos das pernas muito doloridos. “Meu mocotó está inchado, é a má circulação de tanto ficar em avião.” O maratonista deixara Atenas na terça-feira pela manhã, no horário local, e depois de ficar, segundo ele, dez horas em Zurique, Suíça, à espera de uma conexão, só desembarcou no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na quarta-feira 1º, às 5 horas da manhã. Participou do programa Mais você, da apresentadora Ana Maria Braga, onde matou a vontade de abraçar o Louro José e ainda deu uma concorrida entrevista coletiva na sede do Pão de Açúcar. Chorou ao dizer que rejeitou patrocínios oportunistas de véspera de Olimpíada e que dinheiro não era importante para ele. Não dormia direito desde o final da maratona e sonhava com uma feijoada ou um churrasco.