31/01/2007 - 10:00
Heroísmo: cena do filme imitando o que ocorreu na realidade, em 1945
Bandeiras nacionais podem servir a muitos objetivos, mas se prestam especialmente a dois: enfatizar a autonomia de um país e, conseqüentemente, demarcar as fronteiras de seu domínio. Daí o impulso, desde que guerra é guerra, de cravar o mastro e hastear a bandeira do país vencedor no território ocupado. No dia 23 de fevereiro de 1945 seis fuzileiros navais americanos levantaram a bandeira dos EUA no ponto mais alto do monte Suribachi, na ilha de Iwo Jima, importante base japonesa durante a guerra no Pacífico. A chamada ilha do Enxofre, com cavernas sulfurosas que exalavam um odor nauseante, ainda não estava tomada – a luta perduraria por mais um mês, levando à morte cerca de 21 mil japoneses. Mas a foto da chamada Stars and stripes (estrelas e listras) sendo hasteada, feita pelo fotógrafo Joe Rosenthal, entrou para a história como um símbolo da Segunda Guerra Mundial. Para muitos, foi o momento que definiu a vitória americana contra o Japão. A história dessa foto (e dos soldados nela retratados) é o tema de A conquista da honra (Flags of our fathers, EUA, 2006), filme de Clint Eastwood que estréia no País na sexta-feira 2 e faz par com Cartas de Iwo Jima, o outro filme do cineasta que acaba de receber quatro indicações ao Oscar.
Trata-se de uma história interessante porque mostra como uma simples imagem pode ser usada para diversos fins. Foi só ela aparecer nas capas dos principais jornais americanos para uma onda de comoção tomar conta dos EUA, cuja população estava cansada de uma guerra que se arrastava, deixando muitas
baixas, e esvaziava os cofres públicos. No livro em que foi baseado o filme, A conquista da honra (Ediouro, 392 págs., R$ 49,90), James Bradley, filho de um dos levantadores da bandeira, conta como o fotógrafo Rosenthal teve a felicidade de flagrar o instante em que soldados se esforçam para colocar uma bandeira de pé – todos de costas e anônimos. Representava o próprio esforço da nação. “Ele não tinha idéia se conseguira uma mancha, uma foto do céu ou uma fotografia passável”, escreveu Bradley.
O governo americano não teve dúvidas na época e mandou trazer de volta três sobreviventes do feito coreografado – o enfermeiro John Bradley (interpretado no filme por Ryan Phillipe), o índio Ira Hayes (Adam Beach) e o mensageiro René Gagnon (Jesse Bradford). Como “embaixadores” do governo, eles passaram a viajar pelo país apresentando-se como heróis e convencendo a população a adquirir bônus de guerra. Viraram celebridades. Clint Eastwood, que a cada filme fica melhor, mostra muito bem o dilema moral dos soldados (especialmente do índio Ira, que se afoga no alcoolismo) em ser considerados heróis pelo simples fato de levantar uma bandeira enquanto uma legião de garotos ingênuos morria numa ilha de areia negra. Mais que isso: à crise que os afetava somava-se uma suspeita – a de que a foto teria sido “montada”.
Na verdade, a imagem não foi simulada, mas sim a situação por ela mostrada. Ao chegar ao topo da ilha, um grupo de soldados teve a idéia de levantar uma bandeira. De um navio da enorme esquadra americana, um oficial viu a bandeira tremulando e a quis como lembrança. Foi quando outro oficial mandou hastear uma bandeira maior e a foto foi tirada. No filme, o fotógrafo Rosenthal, que ganhou o Prêmio Pulitzer e morreu em agosto do ano passado, é interpretado pelo ator Ned Eisenberg. Na cena em que é entrevistado pelo filho de John Bradley, ele diz que aquela foto decidiu a batalha do Pacífico. E acrescenta, na mesma linha de raciocínio, que a opinião pública americana deu por perdida a guerra do Vietnã quando viu a famosa foto do assassinato de um vietcong. A foto foi feita pelo americano Eddie Adams em 1968.
É discutível que uma simples foto tenha esse poder. Mas que ajuda a levantar o moral de um país, isso é inegável. Não por acaso, foi uma imagem parecida à de Iwo Jima que marcou os EUA nos últimos cinco anos. Trata-se daquela que mostra a tristeza dos três bombeiros tentando levar a prumo a bandeira americana nos escombros do World Trade Center. Misto de luto (a bandeira está a meio-mastro) e orgulho ferido (ela não é hasteada por soldados, mas por bombeiros), traz uma mensagem clara: vocês abriram essa fenda no coração da América, mas aqui ainda é a América. A resposta aos terroristas viria rápido.