Em pleno espetáculo do crescimento da ditadura militar, na década de 70, o então ministro da Fazenda do general Emílio Garrastazu Médici, Delfim Netto, pediu calma aos brasileiros com uma expressão que entrou para a história: “É preciso esperar o bolo crescer para depois repartir.” Naquela época, não havia povo nas ruas, e, como mostram as taxas de concentração de renda brasileira, o bolo cresceu, cresceu, mas jamais foi repartido. Agora, os brasileiros enviam um sinal de alerta: ninguém quer mais esperar o bolo crescer. O exemplo vem dos bancários, categoria massacrada nos últimos dez anos. Nesse período, de cada dez trabalhadores pelo menos três perderam o emprego. Os que sobreviveram viram seus rendimentos médios minguar de 4,3 salários mínimos, em 1994, para 2,3 em 2003. Enquanto isso, os bancos acumularam resultados sólidos ano após ano, ignorando solenemente os altos e baixos da economia. De 1994 a 2003, o lucro das 14 maiores instituições privadas do Brasil saltou de R$ 3,4 bilhões para R$ 12 bilhões.

Os números dos bancos são de deixar qualquer um de boca aberta. Inclusive os bancários que agora resolveram botar o bloco na rua. Em uma greve que alcançou mobilização surpreendente – a maior desde 1990 –, eles estão dispostos a recuperar uma boa parte do que perderam no passado. “Hoje é possível brigar para garantir conquistas”, diz Luiz Cláudio Marcolino, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, o maior do País, com uma base de 106 mil trabalhadores, de um total de 405 mil. A princípio, a direção do sindicato era favorável à aceitação de uma proposta feita pelos banqueiros. Uma assembléia da categoria, no entanto, surpreendeu os líderes do sindicato. Funcionário do Itaú, segundo maior banco privado, Marcolino é um homem miúdo, de fala mansa, que entendeu o recado da base e passou a chamar a categoria para a mobilização. A greve se estende por todo o País, as assembléias realizadas na quadra de esportes dos bancários, no centro de São Paulo, têm servido de parâmetro e motivação para a categoria. O quorum mínimo não baixa de 2,5 mil pessoas por assembléia, apesar de toda a pressão dos banqueiros, com ameaças de demissão e desconto dos dias parados. A pauta de reivindicação contempla 25% de reajuste – 6,22% de reposição da inflação, mais 17,68% de aumento real. Querem ainda um salário de R$ 1,2 mil a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR), além de 14º salário e 13º em vale-alimentação. “Tudo que temos direito”, afirma Marcolino.

Silêncio – Do lado dos banqueiros, a tática é falar – e negociar – o menos possível. A poderosa Federação Nacional dos Bancos não abre mão de sua proposta: reajuste de 8,5%, com adicional de R$ 30 para quem ganha até R$ 1,5 mil. Magnus Ribas Apostólico, porta-voz e negociador da entidade, tem repetido que é difícil para os bancos dar um reajuste próximo dos 10%, como ocorreu com os metalúrgicos do ABC paulista. Ele alega que a folha de pagamento representa 60% dos custos dos bancos, contra 20% da indústria. “Os bancários olham apenas o lucro de meia dúzia de bancos e temos que fazer um acordo que satisfaça a 180 instituições”, argumenta o executivo. Trata-se do mesmo discurso usado para massacrar a categoria nos últimos cinco anos, sempre com reajustes abaixo da inflação. “Precisamos reconstruir o nosso poder de compra e o tamanho da conquista vai depender do tamanho da greve”, diz Marcolino.

E bota urgência nisso. Nos últimos dez anos, os bancos se mostraram eficientíssimos na capacidade de amealhar gordos resultados. Um estudo da ABM Consulting feito a pedido da ISTOÉ mostra que os 14 maiores bancos privados do País conseguiram manter lucros crescentes ao longo de praticamente todo o período, inclusive nos piores momentos da economia brasileira. No ano passado, por exemplo, quando os salários e a oferta de empregos chegaram ao fundo do poço, soterrados pela queda de 0,22% no Produto Interno Bruto (PIB), o grupo de bancos privados selecionado pela ABM atingiu o invejável lucro de R$ 12 bilhões. Os bancos públicos não ficaram atrás: Caixa Econômica, Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Nossa Caixa somaram resultados de R$ 4,8 bilhões. Juntos, os dois grupos respondem por quase 90% do mercado. A soma dos lucros – R$ 16,8 bilhões – daria para pagar todos os aposentados da Previdência por um ano inteiro.