Antes de passar o papel para o chinês Gordon Liu, era o diretor americano Quentin Tarantino quem iria interpretar o monge Pai Mei, um dos personagens mais engraçados de Kill Bill: volume 2 (Kill Bill: vol 2, Estados Unidos, 2004), com estréia nacional na sexta-feira 8. Instrutor de artes marciais da Noiva (Uma Thurman), agora chamada Beatrix Kiddo, Pai Mei foge do perfil do mestre sereno, passando suas lições com sadismo e arrogância. Ao final de cada golpe, ordem ou aprovação, ele joga a longa barba branca para trás dos ombros, num gesto de vaidade afetada. Tipo perfeito para Tarantino, conhecido pela falta de modéstia. Nos extras do DVD de Kill Bill: volume 1(Imagem Filmes), recém-lançado, o diretor mergulha em síndrome de pavão. “A idéia geral de Kill Bill era testar os limites do meu talento”, diz. “Eu não queria fazer o filme a não ser que fizesse melhor que todo mundo. Foi um teste para mostrar o quanto eu sou bom.”

Que Tarantino tem talento é óbvio. Basta rever Kill Bill: volume 1, seu melhor trabalho. Mas, como desenvoltura tem limites, o volume 2 deixa a desejar. A história começa em preto-e-branco, com Beatrix Kiddo dirigindo um Karmann Ghia conversível. Está indo matar Bill (David Carradine). Mas antes, na trama cheia de idas e vindas, ela tem que passar pelos cadávares de Budd (Michael Madsen) e Ellen Driver (Darryl Hannah), membros do Esquadrão Assassino Víboras Mortais. Enterrada viva por Budd numa sequência genial, desaconselhável para claustrofóbicos, a Noiva escapa do caixão e sai no encalço de Ellen. A cruel loira de tapa-olhos perderá a outra vista numa luta de espadas no diminuto espaço de um trailer repleto de revistas pornôs. Trata-se do refúgio do alcoólatra Budd, eliminado pela própria Ellen com a picada de uma cobra californiana colocada numa mala recheada de dólares. Essa pequena amostra é suficiente para revelar a inacreditável mistura de gêneros e referências trash do samurai-spaghetti de Tarantino. Repleto de cenas formidáveis, o filme, contudo, causa certo enfado. Não pelo ritmo menos alucinante nem pela perversidade requintada. O que o atrapalha são os personagens paralelos dispensáveis e os papo-furados intermináveis, no estilo da conversa sobre batatas fritas de Pulp fiction – tempo de violência.