06/10/2004 - 10:00
Imagine um tubarão vegetariano e sem muito apetite para a violência. Ampara-dos em poderosos computadores, os desenhistas dos estúdios DreamWorks materializam a fantasia na criação de Lenny, personagem do desenho de animação O espanta tubarões (Shark tale, Estados Unidos, 2004), em cartaz nacional na sexta-feira 8. A imaginação não parou aí. Com uma paleta de cores exuberante, eles ergueram uma fantástica cidade submersa onde cardumes enormes convivem como gente numa metrópole parecida com Nova York. Mas o protagonista da história não é o citado dentuço pacifista. Quem nada na correnteza é um peixinho tropical de nome Oscar, cujo defeito é ter uma boca grande demais: por ela sai a verborragia mais ousada e rápida dos sete mares. Nas escamas de Oscar foi investido o mega-astro negro Will Smith. Ele é acompanhado de mais uma peixada colossal interpretada por gente como Robert De Niro (Don Lino), Martin Scorsese (Skykes), Angelina Jolie (Lola), Renée Zellweger (Angie) e Jack Black (Lenny). Depois do sucesso dos dois Shrek, a DreamWorks aposta no filão. O primeiro resultado é um prato fundo tanto para os que gostam de sashimi quanto para os que preferem McFish.
O falastrão Oscar é um peixinho atrevido, que inventa uma história de vitória sobre um grande tubarão branco. Tal proeza o transforma na maior celebridade do coral. Ele só não previa que Don Lino, o padrino da máfia dos tubarões, partiria para uma vendeta e colocaria as guelras de Oscar a prêmio. A fama e a fortuna também atraem complicações no campo romântico, quando a fêmea fatal e oportunista Lola – cara, bocão e voz de Angelina Jolie – resolve pescar o novo herói. Originalmente concebido para ser um filme noir sob o título de Sharkslayer (matador de tubarão), o enredo passaria em um cenário de águas bem mais turbulentas. Mas o talento eclético de Will Smith subverteu totalmente esta inspiração. A produção demorou três anos para ficar pronta, tempo usado por Smith para improvisar suas falas e colher pérolas humorísticas.
Referências – Na mesma linha do improviso, os velhos amigos e colaboradores Robert De Niro (Don Lino) e Martin Scorsese (Skykes) nadam livres. Don Lino tem até a pinta do rosto de seu ventríloquo. Com diálogos cheios de referências a filmes de gângsteres – incluindo aí a incorporação de Don Corleone, que foi interpretado por De Niro em O poderoso chefão – o trabalho se tornou uma das melhores sátiras a mafiosos já feitas nas telas. “Eu não atuei dramaticamente. Interpretei a mim mesmo”, afirma Scorsese, que faz um enfezado baiacu de água salgada, dono de um lava a jato de baleias. “Sou aquele peixe. Skykes tem as minhas sobrancelhas grossas.” Somente alguns membros da colônia italiana dos Estados Unidos ficaram bravos, esquecendo-se, talvez, que a melhor qualidade dos peninsulares é não se levar a sério.
Para completar o quadro, o veterano ator Peter Falk, do seriado Columbo, cuidou de Don Feinberg, desdentado mafioso judeu e consegliere de Don Lino. O maior problema do chefão dos gângsteres é que seu filho Lenny, o tubarão vegetariano, representa uma vergonha para a raça dos grande predadores dos mares. Expulso da Cosa Nostra submarina, Lenny vira o melhor amigo de Oscar. Juntos eles devem lidar com Frankie (Michael Imperioli, da série Sopranos), irmão de Lenny e um brutal tubarão mafioso. Por meio desta improvável moqueca de peixes, o filme faz um retrato muito bem acabado do darwinismo social de cidades como Nova York e Chicago, se afastando de Procurando Nemo, por exemplo, sucesso dos estúdios rivais Disney e Pixar.
Além dos personagens, a imaginação dos animadores se mostrou mais ativa e independente na concepção dos cenários. Para tornar a história mais atraente, os artistas da DreamWorks criaram locais cobertos de grafites, um incrível lava a jato submarino, lojas como a GAP (no caso, Gulp), torres de corais formando arranha-céus art-déco e discotecas com design de dar inveja às casas noturnas nova-iorquinas. Os ambientes estão longe de lembrar Atlântida. Até a trilha sonora, recheada de canções de Will Smith, Justin Timberlake e Christina Aguilera repete a cacofonia ouvida pelas ruas de Manhattan ou do Bronx de hoje. Como se vê, nos anzóis preparados pela DreamWorks cabem iscas perfeitas para peixes grandes e pequenos.