Na mesa do governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, estão dois documentos, que procuram tirar de outras mesas uma iguaria antiga. O primeiro texto é a lei aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado, em que se proíbe a produção e venda de foie gras – fígado inchado de pato ou ganso – em território californiano. A segunda petição é uma carta do cantor e compositor Sir Paul McCartney, pedindo que a lei seja sancionada. O ex-beatle tem o apoio de várias organizações de combate à crueldade contra animais e de uma grande constelação de astros de Hollywood. Arnold come foie gras, mas tem ainda maior apetite por votos. A autora da lei é a senadora democrata Jackie Speier: “Tenho certeza de que o governador vai aprovar a medida. A causa é muito popular. Os dias do foie gras nos pratos californianos estão contados.” Assim, patos e gansos de todo o mundo podem cantar alegremente.

O foie gras – literalmente fígado gordo – é considerado um gosto adquirido: aprende-se a saborear o alimento com o tempo. E a humanidade teve 50 séculos para ajustar as papilas gustativas. Os egípcios são considerados os inventores do prato, que era reservado aos faraós. O método de preparo do acepipe continua basicamente o mesmo: durante duas semanas, um pato adulto é alimentado forçadamente, duas vezes ao dia. Para os gansos, o processo é feito durante 28 dias, em três ou quatro doses diárias. O duro é convencer os bichos a ingerir tamanha quantidade de comida. Para isso, usa-se um funil de cano longo onde se deposita, sob pressão, uma mistura de milho, água e sal no esôfago da criatura. Como patos e gansos são incapazes de ter ânsia de vômito, a mistura fica retida em seus organismos e é convertida em gordura, que será estocada no fígado. Esse órgão triplica de tamanho, já que as aves vivem confinadas e não se exercitam. “Trata-se de uma enorme crueldade, que provoca grande sofrimento no animal”, diz a senadora Speier.

A briga contra a crueldade a animais tem esquentado a ponto de se converter
numa guerra aberta. A organização People for the Ethical Treatment of Animals
(Peta) é mais conhecida por suas investidas em passarelas de moda e lojas
que vendem roupas feitas com peles de bichos. No ano passado, a modelo brasileira Gisele Bündchen, posando com peles, foi interrompida durante um
desfile, acusada por militantes da Peta de ser conivente com a morte e tortura de animais. Paul McCartney, viúvo de Linda, uma vegetariana radical, contribui mensalmente para a Peta. Para as autoridades americanas e britânicas, o grupo está ligado a outros movimentos pró-animais que usam táticas violentas em defesa da causa. “Os ecoguerrilheiros encabeçam a lista das maiores ameaças de terrorismo doméstico nos Estados Unidos”, diz o agente especial do FBI, William Voigt. Milícias violentas, como a Stop Huntingdon Animal Cruelty (Shac) – Huntingdon é uma empresa britânica de fornecimento de animais para pesquisas biológicas – e a Animal Liberation Front (ALF) tiveram suas origens na Grã-Bretanha, mas estenderam sua atuação em território americano. Estima-se que somente nos EUA o eco-terrorismo tenha causado, desde 1976, prejuízos de US$ 110 milhões em cerca de 1.100 atos criminosos.

Entre as ações da ALF está a liberação de 300 frangos de um abatedouro. Como as aves viviam sob criação livre, sem confinamento, quando o galinheiro foi aberto o pânico levou a um estouro da galinhada e provocou a morte de 174 bichos. Mais sucesso foi conseguido nas queimas de casas e condomínios em construção nos vários Estados americanos – a maioria dos incêndios foi na Califórnia, sob o argumento de que a explosão imobiliária está acabando com o hábitat de vários animais. “Mas o que tem causado maiores temores são as ameaças a cientistas pesquisadores que usam animais em seus trabalhos”, diz Gary Perlstein, professor de justiça criminal da Universidade de Portland, que acompanha o fenômeno do ecoterrorismo. Os pesquisadores e suas famílias vêem suas casas e carros vandalizados e recebem constantes ameaças de morte. “Oito cientistas – quatro ingleses, dois americanos e dois canadenses – já foram mortos por radicais”, diz James Schmitt, agente especial da polícia do Oregon. E a disposição é de ampliar os ataques. Na convenção Direitos Animais 2003, na Califórnia, o médico Jerry Vlasak propôs o assassinato de cientistas que estudam o vírus HIV utilizando cobaias. “Não acho que teremos de matar muita gente. Acredito que umas cinco, dez ou 15 vidas humanas seriam uma boa troca para salvar a vida de milhões de vidas não humanas”, disse. Seu proselitismo, porém, não leva em conta o fato de que as campanhas pacíficas, como a da proibição da venda do foie gras ou da caça à raposa, na Inglaterra, são as que obtiveram melhores resultados.

Até mesmo o movimento antitouradas está ganhando adeptos de novas gerações na Espanha. “Calculo que em 50 anos não teremos mais touradas espanholas. E isso é uma pena, pois a tauromaquia é um ritual milenar, em que animal e homem competem pela sobrevivência com chances equilibradas”, argumenta Mário Carrión, ex-toureiro em Sevilha e estudioso das touradas. Ninguém, porém, sabe se o touro preferiria viver toda uma existência pacífica como um mero bovino.