14/09/2005 - 10:00
Eles levam a indiferente platéia francesa ao delírio. Fazem acrobacias e malabarismo sobre cavalos, formam torres humanas, jogam capoeira, cantam e dançam. E, por enquanto, tudo indica, escaparam da pobreza. Trata-se de um grupo de oito jovens, com idade entre 18 e 25 anos, que saíram de Teresina para brilhar no picadeiro da companhia Ô Cirque, em Paris, que tem entre suas principais atrações belos números com cavalos brancos domados.
Os acrobatas Expedito, Mikael, Euriberto, Evaldo, Nilberto, Abias, Cledejan e
Valmir roubam a cena com o espetáculo O sol também. Estrearam seu primeiro trabalho profissional com elogios nos principais jornais franceses. “Dei a volta por cima”, diz Nilberto de Lima e Silva, 23 anos, que nasceu na pobre periferia da capital do Piauí. “Minha vida mudou aos 14 anos, quando descobri o circo”, conta. Ele não revela quanto ganha, mas está contente: “Dá uma boa grana.” Com o dinheiro, já comprou uma casa em Teresina, onde a mulher o espera grávida do primeiro filho. Sair da terra natal? Nem pensar. “No Nordeste, é difícil a gente ganhar tanto sendo artista de circo e tendo pouco estudo. Mas quero ficar lá mesmo”, diz ele. Quando a temporada francesa acabar, voltará para Teresina para dar aulas na escola de circo onde tudo começou. Nilberto chegou aos palcos graças ao francês Gilles Audejan, fundador da companhia.
Gilles desembarcou na capital do Piauí em 1989, disposto a formar dezenas de crianças na arte circense. Com ajuda da organização não-governamental Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e de entidades francesas, fundou uma escola que chegou a atender 130 meninos e meninas. Hoje, sem verbas internacionais e apenas com o apoio do governo estadual, mantém só 20 crianças. Apaixonados pela cultura brasileira, Gilles e os 30 integrantes de sua companhia montaram dois espetáculos tendo a escravidão como tema, Axé Zumbi (2001) e, este ano, O sol também, baseado na obra de Jorge Amado. A peça fala da pobreza que atinge milhões de descendentes de africanos.
Ao final, um dos atores franceses diz à platéia que aqueles acrobatas são de Teresina, “uma cidade brasileira onde 80% da população vive abaixo da linha da pobreza e 60% da população é formada por jovens com menos de 25 anos”. O sonho de Gilles é que os meninos de Teresina formem um circo no Brasil com brasileiros. Mas falta patrocínio. A coreana Florence Rougier, coreógrafa e bailarina de O sol também, que também já deu aulas em Teresina, diz que a idéia era voltar ao Brasil no início de 2006. “Mas tudo depende do apoio que conseguirmos.” Segundo Florence – que no final do espetáculo ensaia passos de porta-bandeira com o estandarte do Piauí –, a companhia se sustenta graças ao público francês, que paga ingressos de 18 a 23 euros e lota o circo para assistir ao show.