Antes de se tornar a maior estrela da música eletrônica, o multiinstrumentista e produtor americano Moby esteve no País para discotecar numa rave. Era o ano de 1993 e as festas de música tecno ainda eram uma novidade. Apenas alguns gatos pingados sabiam que um dos hits do momento nas pistas, a música Go, feita sobre o andamento soturno do tema do seriado Twin Peaks, de David Lynch, levava sua assinatura. Nem mesmo os organizadores do evento conheciam as particularidades do DJ careca, desde aquela época um vegan convicto – ou seja, pessoa que não come ou veste nenhum produto de origem animal. Foi assim que o pobre Moby acabou caindo desavisado numa churrascaria, programa de mau gosto – no sentido literal – que o deixou traumatizado. Alguns milhões de discos depois, Moby retorna ao País com status de pop star numa miniturnê que dá a largada da temporada de shows estrangeiros no País – na seqüência estão marcadas as apresentações em quatro capitais da canadense Avril Lavigne, o Curitiba Rock Festival e o Tim Festival, no Rio de Janeiro. O primeiro show de Moby acontece no Hotel Unique, em São Paulo, na sexta-feira 16. O preço do ingresso? R$ 300. Agora, é a própria produção que faz questão de alardear as exigências do músico: nada de sofás de couro e um bom abastecimento de sucos megaantioxidante, bacon vegetariano da marca canadense Yve’s e outros pequenos pedidos. Coisas de natureba, porque Moby – apesar do passado punk – não tem nada do perfil do roqueiro maluco. “Existem muitas coisas que se esperam de um pop star. Eu nunca cheirei cocaína, nunca namorei uma supermodelo e nunca fiz sexo em limusine”, afirma.

É bom lembrar que Richard Melville Hall, seu nome de batismo, 40 anos no domingo 11, é um nova-iorquino, e isso faz uma grande diferença. Politizado e anti-Bush convicto, de passagem por Caracas, onde se apresentou pela primeira vez, ele pediu desculpas pelas declarações do reverendo americano Pat Robertson, que pediu a cabeça do presidente Hugo Chávez. “A administração Bush e os republicanos estão incomodados com a Venezuela pelo petróleo”, declarou. Natural, então, que em vez de investir os lucros polpudos em casas noturnas como fazem nove entre dez estrelas, Moby tenha preferido apostar num empreendimento como o TeeNY, restaurante vegan preferido dos descolados nova-iorquinos. Para aumentar o charme, Moby mora num pedaço do downtown de Manhattan apelidado recentemente de NoLIta, North of Little Italy. Entre os vizinhos, passeia pelas redondezas o camaleão David Bowie. Foi do quinto andar do predinho antigo que Moby acordou assustado naquele trágico 11 de setembro com a visão de um horizonte todo enfumaçado. Era seu aniversário.

Tudo isso ajudou a criar a mística em torno do rapaz de ar alheio, que às vezes prefere aparecer em vídeos na pele do alter ego Little Idiot, um bonequinho de animação desenhado por ele próprio. O apelido Moby ele ganhou do pai por ser tataraneto de um irmão do escritor Herman Melville, autor de Moby Dick. No ano passado, ao incorporar seu lado DJ numa festa fechada no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, Moby atraiu para a pista globais insuspeitos como a atriz Suzana Vieira. E isso no auge da performance de Senhora do destino. Mas o artista não é apenas um hype – uma febre, na gíria de seu público fashion. Foi o cara que lançou o disco certo, na hora certa. O trabalho, considerado o Nevermind – disco do Nirvana – dos anos 90, chama-se Play (1999), uma coleção de 18 canções que apareceram, uma a uma, em filmes e comerciais que não passaram despercebidos – A praia, A supremacia Bourne, anúncios do cartão American Express, do licor Bailey’s, e de uma infinidade de produtos ligados ao luxo.

Lampejo – Não havia desfile de moda, restaurante moderninho ou loja similar que não tocassem na década passada alguma faixa de Play como música de fundo. Ou seja: mesmo que alguém não tenha ouvido falar de Moby, certamente já ouviu suas músicas. O lampejo do artista, que vinha de um disco malsucedido, o roqueiro Animal rights (1996), foi usar a voz da cantora de blues Bessie Jones sobre uma batida eletrônica de house music. Chamou a faixa de Honey, devido à frase que se repetia indefinidamente, “Get my honey, come back, sometimes”. Numa viagem de carro, a dona da gravadora V2 ouviu a música numa rádio, parou o carro e ligou para o programador, impressionada: o que era aquilo? Bem, aquilo foi a grande invenção do pop na década passada. Seguindo a mesma fórmula, Moby utilizou cantos de trabalhadores rurais, hinos religiosos e blues do arco-da-velha, criando canções sublimes. Coisa de gênio. Play vendeu mais de dez milhões de cópias ao redor do mundo. No show, que acontece também no Riocentro, no sábado 17, no Espaço das Américas, em São Paulo, na terça-feira 20, e no Chevrolet Hall, em Belo Horizonte, na quarta-feira 21, Moby vai tocar, também, Find my baby, Why does my heart feel so bad?, Natural blues, Body rock e Porcelain, aquela faixa que ajudou a vender todo tipo de produto com o refrão “In my dreams I’m dying all the time” (Em meus sonhos, estou morrendo o tempo todo). No programa, também o repertório dos discos 18 (2002) e Hotel (2005) e, claro, a dançante Go. Apesar de compor usando uma pilha de discos antigos, sintetizadores, parafernália eletrônica de ponta e dois Macintosh, Moby faz questão de se apresentar com músicos de verdade. Sua banda tem guitarrista, baterista, tecladista e uma cantora, Joy Aleita Grant. Para desespero daqueles que adoram a indiferença dos DJs, Moby vai empunhar uma guitarra. À sua maneira.