Começa um novo capítulo da literatura brasileira: o jornalista e escritor mineiro Fernando Morais acaba de migrar da editora Companhia das Letras para a Planeta do Brasil numa negociação sem precedentes no mercado. Morais recebeu algo em torno de US$ 600 mil – sendo US$ 200 mil de luvas e o restante como adiantamento – para escrever três novos livros e transferir toda a sua obra, que inclui sucessos como Olga, A ilha – um repórter brasileiro no país de Fidel Castro, e Chatô, o rei do Brasil, para a nova casa, pertencente ao grupo homônimo espanhol. Ele não confirma o valor, e nem a editora, até porque há uma cláusula contratual impondo sigilo sobre o tema. Mas ISTOÉ comprovou a quantia e os bastidores do assédio, que começou no mês passado e terminou há pouco mais de uma semana. Acostumado a esquadrinhar discretamente a vida dos outros, Morais vê a ordem subvertida e passa para o foco central. Agora, ele é a estrela.

A estréia será com uma biografia de Paulo Coelho, cujo título provisório é O sobrevivente, com lançamento mundial previsto para meados do ano que vem. Entre os próximos livros, estão as biografias do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL/BA), iniciada há nove anos, e do marechal-do-ar Casimiro Montenegro Filho, que criou a Embraer, além da história do ex-ministro-chefe da Casa Civil e deputado federal José Dirceu (PT/SP) como militante do Movimento de Libertação Popular-Molipo. De seus 2,5 milhões de livros vendidos, Olga, que virou filme homônimo, responde por 600 mil – 100 mil a menos que A ilha. Já Chatô, que deverá chegar ao cinema no fim do ano depois de uma década de polêmica produção, vendeu 200 mil. O último trabalho, Na toca dos leões, está proibido pela Justiça de Goiás, a pedido do deputado federal Ronaldo Caiado (PFL/GO), citado na obra, mas esgotou a tiragem distribuída antes da sentença.

Morais não era “leitor freqüente” de Paulo Coelho e tinha uma má impressão dele. “Achava-o um sujeito arrogante, fechado”, diz. Por seu lado, Coelho não tinha a menor intenção de colaborar com novo livro sobre si, pois considerava a entrevista de Confissões de um peregrino, do espanhol Juan Arias, ainda atual. “Mas, aí, veio o e-mail do Fernando Morais, a quem já li e admiro. Falei: ‘É com esse que eu vou!”, conta Coelho. Ao começar a se preparar para a empreitada, Morais cometeu um equívoco. “Cheguei a reler Fausto, de Goethe, depois de 30 anos, supondo que o sucesso dele fosse um pacto com o capeta”, relembra. “E qual não foi minha surpresa ao descobrir que o negócio dele é Deus!”

O segundo equívoco foi de ordem estética. O biógrafo, vários quilos acima do peso, teve de subir e descer montanhas ao lado do magro e peregrino biografado. “O Paulo botava o gravador pendurado no pescoço e ia andando e falando. Eu ia junto, claro”, diz, referindo-se às caminhadas nos arredores da casa de Coelho, nos Pireneus franceses. Nas 89 horas de gravações, há muitas novidades. “Ele contou tudo, até o que não se confessa nem para si próprio trancado no banheiro com a luz apagada”, afirma, sem especificar. Mas revela uma curiosidade: “Paulo Coelho nasceu morto e recebeu a bênção de uma freira para ser enterrado. Em meio à tristeza e preparativos para o funeral, o bebê ‘morto’ chora. Essa foi sua primeira sobrevivência.”

Famoso – O escritor também ficou com a impressão de que Coelho já sabia
que seria famoso. “Ele guarda num baú a asa do primeiro passarinho que
matou, aos 15 anos, e o pedaço de papel onde escreveu pela primeira vez a
palavra Paulo.” Agora, Morais procura, via página da internet – www. cpc.com.br/paulocoelho –, contato com quem tiver algo interessante a contar.
Coelho se confessa curioso. Afinal, é a primeira vez que sua vida é revirada dessa forma. Mas, com a paciência de um monge, aguarda a publicação. “Não vou passar
o vexame de perguntar ou pedir para ler”, diz.

Aos 59 anos, sete livros publicados, Fernando Morais, mineiro de Mariana, leva uma vida simples e se dá direito a um único luxo, a motocicleta BMW 1200. “Dinheiro não é o que me atrai. No caso da Planeta, topei porque era um bolo muito grande, caí em tentação”, brinca. A carreira começou como office-boy do extinto Banco da Lavoura, em Belo Horizonte, e passou pela política, uma tentação que já não o seduz. “Eleitor entra por uma porta e eu saio pela janela”, afirma. Filiado ao PMDB, foi duas vezes deputado estadual por São Paulo, onde mora, secretário de Educação também duas vezes e candidato a governador em 2002. Envolto em baforadas de charuto cubano Cohiba, Morais diz que é um privilegiado por sobreviver da profissão que ama. E que acaba de torná-lo o mais bem-remunerado “operário das letras.”