Longe dos olhares admirados dos turistas e por trás das fachadas requintadas da Champs Elysées ou da Avenue Foch se esconde uma outra Paris. Uma Paris popular, desigual, insalubre. A série de incêndios registrados nas duas últimas semanas em imóveis populares – um deles no elegante bairro do Marais – reabre a polêmica sobre o acesso à moradia na capital francesa e traz à tona as condições precárias de vida da população imigrante. Além disso, a suspeita de violência racista contra imigrantes volta a assombrar os franceses. Desde abril, quatro incêndios atingiram edifícios que abrigavam imigrantes e pessoas de baixa renda, matando 32 pessoas, das quais 18 eram crianças.

Os peritos acreditam que, pelo menos um caso, o ocorrido em Boulevard Vincent-Auriol, pode ter sido criminoso. Os outros, aparentemente, deveram-se às péssimas condições dos edifícios. De qualquer modo, os dramas vividos pelos moradores dos prédios incendiados evidenciam as condições de insalubridade em que vivem imigrantes e a penúria na oferta de moradias sociais no país. Segundo a prefeitura, existem na capital francesa 976 imóveis classificados como insalubres. “O edifício do Marais estava entre os 423 mais degradados de Paris”, explica o presidente da Siemp, René Dutrey. As condições de vida eram deploráveis: sem água, eletricidade, gás e aquecimento, os moradores contam que tinham que descer para buscar água em uma torneira na rua, além de conviver com ratos e baratas.

O combate à insalubridade em Paris bate de frente com a questão espinhosa da instalação de famílias carentes em uma cidade que conta 102 mil demandas de moradias populares – 1,3 milhão em todo o país – e onde os preços dos aluguéis estão entre os mais caros do mundo. A lei de Solidariedade e Renovação Urbana (SRU), adotada em dezembro de 2000 pela Assembléia Nacional (Parlamento), prevê que cada município reserve 20% de seu parque imobiliário às moradias populares. Mas muitos preferem pagar multas e não respeitar a lei a ver baixar o nível social da população. Segundo o Ministério do Trabalho, da Coesão Social e da Habitação, um terço dos municípios franceses não obedece à legislação em vigor.

Na quinta-feira 1º, o primeiro- ministro francês, Dominique de Villepin, anunciou a liberação de 50 milhões de euros para a renovação de imóveis insalubres e a criação de mais cinco mil moradias sociais até o primeiro trimestre de 2006. “É inadmissível que somente depois de uma tragédia como essa o governo decida transferir as famílias. Teremos de esperar que outros imóveis se queimem para que a questão da moradia social seja uma prioridade para o governo?”, indaga uma das sobreviventes do Marais, Taka Kanakomo.

Por outro lado, não é à toa que os incêndios reavivaram os temores de que a França possa vir a sofrer uma nova onda racista de ataques a imigrantes. Num país que ainda não acertou suas contas com o passado racista – como mostra o persistente prestígio eleitoral da facistóide Frente Nacional –, faz sentido temer novos pogroms, ainda que sob nova roupagem.