13/10/2004 - 10:00
Reprodução de um dos versos de O mundo é um moinho, samba imortal de Cartola (1908-1980), o título do romance de estréia do jornalista carioca Arthur Dapieve, De cada amor tu herdarás só o cinismo (Objetiva, 224 págs., R$ 34), é uma senha de suas ressonâncias musicais. Aos 46 anos, o publicitário Dino, personagem central da história, não gosta de samba. Mas não chega a ser um mau sujeito. Na verdade, ele adora rock. Numa noite de verão, realiza o sonho de assistir ao vivo à banda americana R.E.M. no Rock in Rio III. É lá, ainda embevecido pela performance do vocalista Michael Stipe, que encontra com Adelaide, a estagiária ruiva e apetitosa da agência em que trabalham. O quarentão se assanha, a ninfeta também. Começam aí 15 exasperantes semanas de amor.
Contando assim, pode parecer que a trama é previsível. Mas, além das boas referências musicais, resumidas nas bandas de rock da seletiva discoteca de Dino, Dapieve faz um belo traçado da geografia etílica do Rio de Janeiro. O romance, contudo, não se sustenta apenas pela trilha sonora sugerida e muito menos pela paisagem boêmia. Fisga o leitor justamente pela história bem contada, despojada, que espelha sem firulas os riscos da paixão entre pessoas com um verossímil abismo de intenções. O amor nos tempos do rock se revela perigoso e incontrolável. Talvez Dino não reconheça, mas armadilhas amorosas muitas vezes casam melhor com um samba-canção.