A história de Ribeirão das Neves, na Grande Belo Horizonte, se repete na vida de seus meninos e meninas, obrigados a trabalhar para garantir alguma comida em casa. Tanto a cidade de 290 mil habitantes quanto as crianças crescem à revelia de cuidados, obedecendo apenas à necessidade de sobrevivência. Muitos têm como quintal os lixões da cidade e como brincadeira o carregamento de caixas. Com reduzidos postos de trabalho e carência de qualificação profissional, Ribeirão das Neves tem uma renda per capita de míseros R$ 0,45 por dia, segundo a Fundação João Pinheiro, de Belo Horizonte. Até para implantar o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), criado pelo governo federal, a prefeitura teve dificuldades. “Precisamos de estrutura para executá-lo e isso custa dinheiro”, alega Wanderley de Lima, secretário municipal de Trabalho e Promoção Social.

O cenário de carências atraiu a atenção da Fundação BankBoston e de 650 funcionários do banco, que decidiram apoiar a implantação do Peti na cidade, há pouco mais de um ano. Injetaram R$ 257 mil no programa – R$ 82 mil de doação dos funcionários e R$ 175 mil do banco, o que permitiu dobrar para 540 o número de crianças cadastradas e oferecer-lhes unidades apropriadas às atividades socioeducativas. Até janeiro serão seis na cidade. A maior delas é a Casa do Arrozal, que recebe 90 crianças. “É um sonho. Era uma casa abandonada. Diziam que era cheia de fantasmas e agora está repleta de crianças”, vibra Vera Weissmann, 59 anos, uma das gerentes da agência do BankBoston em Belo Horizonte. Ela, assim como outros funcionários, acompanha de perto o projeto.

Relatos comoventes não faltam para justificar o empenho. São histórias como a de Marlene dos Santos Salvo, 36 anos, que há dois perdeu um de seus cinco filhos, David, dez anos, no maior lixão do município. “David insistiu para ir com a avó catar papelão. Queria comprar uma bermuda. Caiu do caminhão de lixo, bateu a cabeça e morreu”, lembra ela. Adriana, 13 anos, e Felipe Pereira, oito, também deixaram para trás a vida sem perspectivas. Eles e os outros sete irmãos trabalhavam no lixão e, claro, ficavam sujeitos a riscos. “A gente lavava as frutas que achávamos numa bica próxima”, conta a adolescente. “Tinha muito caco de vidro. Cortei o pé algumas vezes”, diz o menino. Tanto o pai, Vicente, quanto a mãe, Joana D’Arc, eram alcoólatras. “A vida era difícil e fui afundando. Quando surgiu o programa, vi uma chance de tirar meus filhos daquela vida. Tive forças até para parar de beber”, conta a mãe, que hoje tricota e vende tapetes.

O envolvimento dos funcionários do banco com os problemas da infância começou em 1998, com o Projeto Russas, desenvolvido pela fundação na pequena cidade cearense de mesmo nome. A iniciativa tirou 300 crianças e adolescentes
do trabalho em olarias. “O difícil é mudar a cultura de exploração pela cultura de proteção. Há a idéia de que trabalhar ajuda na formação das crianças. Temos que fortalecer os Conselhos da Criança para que as ações tenham continuidade”, afirma Cláudia Varella Sintoni, coordenadora de projetos da fundação. “Outro desafio é convencer as famílias a abrir mão da renda com o trabalho das crianças. Algumas vezes, ela é maior do que a do programa”, pontua ainda Neide Maria de Castro, representante do governo no Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente da cidade. O que alguns pais não compreendem de imediato é que a criança que trabalha terá poucas perspectivas de progresso, perpetuando a miséria. Foi o que aconteceu com João Carlos dos Santos, 13 anos. Ao entrar no programa, ele deixou de cuidar das 21 vacas da família e o pai teve de pagar alguém para fazer o serviço. Houve resistência, mas agora João comemora. “Posso brincar à vontade, jogar bola, rodar pião, pintar”, diz.