Foi uma visita relâmpago, de pouco mais de um dia de duração, marcada por encontros com empresários e líderes civis, além de visitas a escolas em São Paulo, na manhã da terça-feira 5, e por demoradas reuniões com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler Celso Amorim, na tarde e na noite do mesmo dia. Ao retornar aos Estados Unidos na manhã da quarta-feira 6, com uma escala em Granada, no Caribe, arrasada por uma sucessão de furacões, o secretário de Estado americano, Colin Powell, deixou um rastro de declarações simpáticas ao Brasil. Evitando assuntos polêmicos como a lei do abate – que permite ao Brasil derrubar aeronaves civis suspeitas e entra em vigor na próxima semana – e a compra de novos caças para a Força Aérea Brasileira, o secretário Powell elogiou o desempenho do País no comando da missão de paz da ONU no Haiti, falou bem do programa nacional de combate à fome e disse até que o Brasil é “um candidato bom, sério e competente” a uma vaga de membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Elogios à parte, o general-chanceler, que faz o gênero “americano simpático”, disfarçou ao máximo sobre sua real missão no País, que foi “estimular” o Brasil a abrir suas instalações nucleares aos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). O secretário Powell ressalvou que, em termos nucleares, o Brasil não seria uma preocupação para os EUA, diante do caráter pacífico de seu programa atômico. “Estamos preocupados com o Irã e a Coréia do Norte, e não com o Brasil”, afirmou.

Interesses econômicos – A afirmação de Powell comprova o fato de que Washington está cansado de saber que o Brasil não pretende ter a bomba  atômica. A insistência em abrir, de maneira irrestrita, aos inspetores da AEIA  (sobre os quais há sempre a suspeita de haver um “especialista” americano) a fábrica de urânio enriquecido de Resende (RJ) e as instalações da Marinha em Aramar (SP) reflete uma preocupação de caráter econômico, puro e simples. O Brasil, com muito esforço, pesquisou e desenvolveu, através dos cientistas da Marinha em Aramar, uma tecnologia pioneira que permite o enriquecimento do urânio em ultracentrífugas supersônicas a um custo mais barato do que os métodos usuais. No sistema brasileiro, o urânio entra na centrífuga em forma de gás e o equipamento gira acima da velocidade do som, a 1.620 km/h. Hoje, as centrífugas, tanto em Aramar quanto em Resende, ficam totalmente cobertas por biombos metálicos. Desse modo, os inspetores da AEIA e outros olhos investigativos com interesses diversos não podem ver nada de importante.

Como o Brasil é signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), mas ainda não assinou o Protocolo Adicional que garante à AIEA o direito de fazer inspeções-surpresa, abriu margem a suspeitas. Mas nada que se compare, como bem destacou Powell, ao Irã e à Coréia do Norte. “O Brasil não tem nada a esconder, salvo com relação à tecnologia que desenvolveu”, afirmou Celso Amorim, durante entrevista junto com Powell no Itamaraty. O americano concordou com a cabeça e, aparentemente, se conformou. Uma saída honrosa para as duas partes, segundo especialistas do setor, seria diminuir a altura dos biombos, mostrando as partes de baixo e de cima dos equipamentos, preservando o segredo industrial e tecnológico. Os inspetores não teriam mais desculpas para dizer que são impedidos de realizar seu serviço, comprovando que não há propósitos bélicos. Já o Brasil manteria seu pulo-do-gato científico resguardado de olhares curiosos.

O urânio enriquecido em Resende, além de servir de combustível para as usinas nucleares de Angra, abastecerá o reator do futuro submarino nuclear brasileiro. O projeto já está em andamento e a previsão é ter o submarino na água até o final da próxima década.

• Só para fins pacíficos: o Brasil extrai e beneficia urânio para as usinas Angra I e II, responsáveis por cerca de 4% da energia elétrica do País. O urânio usado para este fim é enriquecido de 3% a 5%; para uma bomba, seria preciso enriquecer o minério em 95%