No Congresso há uma guerra silenciosa envolvendo a bilionária indústria do fumo. Trata-se da ratificação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, aprovada em 2003 pelos 192 países membros da Organização Mundial de Saúde (OMS) que agora tramita no Senado. O assunto entrou na pauta há pouco mais de um mês e acabou adiado para novembro, depois de provocar uma intensa mobilização de senadores, dezenas de entidades representantes de trabalhadores, entidades ligadas à saúde, organizações não-governamentais ligadas ao combate ao fumo e órgãos do próprio governo, em especial o Ministério da Saúde. A Convenção-Quadro é uma espécie de constituição mundial na área do combate ao fumo. Reúne uma série de ações que os países signatários se propõem a cumprir para, a médio e longo prazo, reduzir o consumo do tabaco. Exigiu quatro anos de discussões e contou com amplo apoio do governo brasileiro. No receituário há medidas relativamente amenas – quase todas já adotadas no Brasil –, como campanhas de conscientização e restrições à propaganda de cigarros. Há também outras mais contundentes, envolvendo a tentativa de reduzir a oferta de tabaco, o que, segundo o Ministério da Saúde, atinge em cheio uma rentável indústria controlada por um oligopólio internacional.

Na primeira etapa de elaboração do documento houve concordância unânime dos governos signatários, inclusive todos os grandes produtores e exportadores, como Índia, EUA e China. Agora, os legislativos de cada um desses países têm que confirmar a adesão ao acordo. No Brasil, o processo emperrou em nome  de mais de um milhão de empregos, segundo associações de agricultores do setor. Os agricultores querem a garantia de que o governo oferecerá uma alternativa igualmente lucrativa caso sejam obrigados a deixar a cultura. Do outro lado do front há um dado também muito forte: 200 mil brasileiros morrem em decorrência do fumo no País.

O Brasil figura como o segundo maior produtor e o maior exportador de tabaco do mundo. No Rio Grande do Sul está concentrada a maior parte da produção. “A engrenagem bilionária da indústria do tabaco no Brasil, ao que tudo indica, já começou a funcionar”, chegou a afirmar recentemente o presidente do Instituto Nacional do Câncer (Inca), José Gomes Temporão, a respeito do atraso na aprovação da convenção no Senado. A preocupação dos integrantes do Ministério da Saúde é que, se demorar demais a assinar o acordo, o Brasil vai ficar de fora da comissão que detalhará suas normas. “Para quem é contra a convenção, interessa que o governo brasileiro fique de fora”, diz Tânia Cavalcante, chefe do setor de combate ao tabagismo do Inca.

Polêmicas – As medidas mais polêmicas, segundo técnicos do Ministério da Saúde, envolvem ações como a discussão do aumento do preço do cigarro (o Brasil tem o sexto cigarro mais barato do mundo), a elevação de impostos e aquelas destinadas a reduzir o plantio apoiando os agricultores a abandonarem o ramo. O próprio governo está dividido. Enquanto o Ministério da Saúde se esfalfa para fazer a convenção andar, o Ministério da Agricultura deixa claro que o documento não dá garantias suficientes aos pequenos produtores. A ambiguidade aparece até na política de crédito. O fumo está entre os produtos cujo cultivo é financiado pelo Tesouro com juros subsidiados, coisa que os adversários mais aguerridos da indústria do fumo condenam. “Isso deveria ser encarado como um crime. Fumo não é alimento, não combate a fome”, ataca a procuradora do Trabalho Margareth Matos, que investiga a situação dos fumicultores na região Sul. Segundo as associações de produtores, o fumo chega a render R$ 11 mil por hectare, mais do que qualquer outra cultura do País. Daí a dificuldade de se encontrarem alternativas.