13/10/2004 - 10:00
As eleições municipais são como uma freada brusca de um ônibus: após o baque, os passageiros têm que se ajeitar nos seus lugares. No primeiro teste nas urnas do PT governista, o Palácio do Planalto articula as novas acomodações dos aliados antes mesmo do fim da viagem, no dia 31.
A parada brusca já provoca tentativas de arrumações dentro do próprio PT.
Vozes vencedoras das urnas vindas de fora de São Paulo cobram a descentralização do partido e se firmam como estrelas que brilham muito além do céu paulistano: os prefeitos reeleitos de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, de Aracaju, Marcelo Déda, e do Recife, João Paulo. A freada também faz com que o governo Lula comece a rever o tabuleiro de xadrez da sua base de apoio no Congresso, com a volta de muitos parlamentares feridos das urnas. Finalmente será preciso acomodar os passageiros ilustres na Esplanada dos Ministérios.
“É preciso que o Brasil comece a se enxergar maior do que São Paulo. Um país do tamanho do Brasil precisa ter mais centros de decisão do que apenas em um único lugar, um único Estado, por mais competente que seja aquele Estado”, opinou o vitorioso prefeito de Belo Horizonte, terceiro maior colégio eleitoral do País. Os números reforçam a tese de Pimentel. Se, em 1982, 75% da bancada do PT na Câmara dos Deputados era de São Paulo, em 2002 esse porcentual reduziu para apenas 20%. O PT e o PSDB saíram das eleições municipais reforçados em seus papéis de rivais. Nas 44 cidades onde haverá segundo turno –, com 27,3 milhões de eleitores – as legendas do presidente Lula e de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, se enfrentarão em dez municípios, incluindo quatro capitais. O PT engordou 37% – comparando-se com os votos de 2000 – e conquistou 400 prefeituras, o dobro do que tinha. Abocanhou seis capitais já no primeiro turno. O PSDB, que se firmou como referência maior da oposição, cresceu 16% em número de votos. O PMDB continua com a maior estrutura partidária do País. O PFL desidratou-se e os partidos ligados ao governo tiveram crescimento.
Mas o êxito do PT pode ser embaçado se sua estrela vermelha apagar em dois santuários: São Paulo e Porto Alegre. Com um olho no segundo turno e outro em 2006, o PT procura barrar o crescimento do PSDB no terreno do governador Geraldo Alckmin (SP). Os tucanos conquistaram 191 das 645 cidades do Estado. Já os petistas continuam mal das pernas: amealharam só 53 municípios paulistas. “O Alckmin deu um passeio”, lamentou um parlamentar. O resultado que mais entalou na garganta do PT foi o da capital paulistana. A folgada vantagem de José Serra sobre Marta Suplicy – 477 mil votos, quase oito pontos porcentuais a mais – jogou água no chope dos petistas. Eles esperavam que a prefeita chegasse ao segundo turno com três pontos porcentuais à frente do tucano.
A crise se instalou no quartel-general de Marta, com cobranças, discussões, e culminou com o vazamento de que haveria uma intervenção branca do PT nacional sobre a coordenação da campanha, para evitar a repetição do leque de erros cometidos no primeiro turno. Os petistas estão rachados quanto à atuação palaciana. “Querem atribuir ao Lula uma derrota em São Paulo”, adverte um interlocutor próximo do presidente. Fernando Pimentel pregou o cuidado quanto à participação de ministros e de Lula: “A esta altura, todo mundo está cansado de saber de que lado está o governo federal. Uma participação muito intensa vai parecer uma provocação ao adversário”.
Artilharia – Mas o presidente entrou novamente em cena para tentar evitar um desastre em São Paulo. Na terça-feira 5, no Planalto, reuniu as vitoriosas estrelas petistas do primeiro round e pediu que desembarquem na capital para ajudar Marta. Ao mergulhar na campanha, Lula atrai a artilharia contra seu governo. E um dos primeiros tiros partiu de FHC, que fez um desafio: propôs uma comparação de seus dois primeiros anos de governo com o mesmo período da gestão de Lula. “O PT está transformando uma derrota em São Paulo numa derrota nacional. Problema deles. É má política. Deveriam ter poupado o presidente Lula de se expor sem resultado”, alfinetou FHC.
Humilde e na defensiva, o PT corre para tentar reagrupar os aliados do Congresso. Na busca desesperada por apoios, o presidente do partido, José Genoino, telefonou para o presidente nacional do PMDB, Michel Temer – rejeitado por Marta no início da campanha para ser seu vice. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB), ligou para o ex-governador Orestes Quércia (PMDB) pedindo votos para a prefeita. Mas a executiva municipal do PMDB anunciou na quinta-feira 7 que não apoiará nem Marta nem Serra. A ex-petista Luiza Erundina (PSB) também optou pela neutralidade, apesar de o PSB nacional ter anunciado apoio a Marta. “Pode-se cometer erros na política, menos o sumiço”, protestou Genoino. O ex-nefasto Paulo Maluf (PP) também foi cortejado. Em troca do apoio à petista, o PT ofereceu-se para subir no palanque do candidato do partido de Maluf em Florianópolis, Francisco Assis, que vai disputar a final com o tucano Dário Berger.
Com mágoas de aliados transbordando em vários Estados, o governo voltou a acenar com uma reforma ministerial. Não haverá uma dança de cadeiras generalizada na Esplanada. Alguns ministros deverão ser trocados para acomodar medalhões do PT eventualmente derrotados – como Marta Suplicy – e aliados que fecharem com o PT para a reeleição de 2006. “Após o segundo turno e a definição das mesas do Congresso, é preciso mudanças tendo em vista 2006. Temos que definir agora o campo de alianças”, argumenta o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (SP). Pelo menos dois ministros – Humberto Costa (Saúde) e José Viegas (Defesa) – estão na mira. “Na Saúde, Lula quer um nome com mais tesão”, revela uma estrela do Planalto. O nome cogitado é do próprio Mercadante. No lugar de Viegas, o mais citado é o coordenador político, Aldo Rebelo (PCdoB). Esta mudança seria uma saída, se não prosperar a reeleição do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), que poderia assumir o lugar de Rebelo.
Dos oligarcas praticamente varridos das capitais, o governo terá que afagar o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) e quer manter o apoio de José Sarney, derrotado em São Luís. Em Salvador, o petista Nelson Pellegrino quase atropelou o candidato de ACM, César Borges (PFL), que vai disputar o segundo turno contra o pedetista João Henrique. Mas o PT promete vitaminar a frente contra ACM, causando mais estragos na relação do Planalto com seus aliados no Congresso. A segunda freada, após o fechamento das urnas dois dias antes do feriado de Finados, deverá provocar mais feridos. Haja esparadrapo.