Software livre é um programa de computador que pode ser copiado, usado, modificado e distribuído sem pagamento de licenças. Os defensores desses sistemas, no governo federal, perderão nesta semana o seu mais entusiasmado parceiro. Incomodado com a falta de recursos e de normas para a implantação desses aplicativos, o sociólogo e professor Sérgio Amadeu decidiu entregar a presidência do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), ligado à Casa Civil. Nesta entrevista, concedida na quinta-feira 1º, ele detalha projetos que liderou e revela o que o fez decidir pelo pedido de demissão.

ISTOÉ – O que motivou o sr. a deixar o governo?
Amadeu
– Vou sair porque faltou decisão política para duas coisas: cadastrar
o projeto de software livre no Plano Plurianual de gastos do governo, o PPA, e
criar uma norma legal para regulamentar a implantação do programa. Setores
do governo impediram isso.

ISTOÉ – Explique melhor.
Amadeu
– No final de 2004, após 18 meses de discussão, propusemos à Casa Civil uma norma com duas situações. Nos casos possíveis de serem resolvidos com aplicativos livres, eles seriam adotados após licitação. Nos que houvesse indicação de software proprietário, a compra deveria ser autorizada pelo ministro de Ciência e Tecnologia. A proposta ficou parada na Casa Civil.

ISTOÉ – Mas a Casa Civil é a casa do ITI…
Amadeu
– Pois é, o lobby é poderoso. Antes disso, em meados de 2004, pedimos
a colocação do programa no PPA. Nada mais justo. Estávamos implementando
ou não? Pois o Ministério do Planejamento não aceitou. Em janeiro deste ano, solicitamos novamente a inclusão do programa no PPA. Pedimos R$ 200 milhões em dois anos, dinheiro fácil de se recuperar nos anos seguintes com economias
em licença e manutenção. Dessa vez conseguimos incluir, mas, em julho, o Ministério do Planejamento tirou o programa do PPA. Eu, que já estava sem a lei, fiquei também sem o dinheiro.

ISTOÉ – E por que não saiu neste momento?
Amadeu
– A crise política estourou e decidi esperar.

ISTOÉ – A escolha da ministra Dilma Rousseff para a Casa Civil influenciou
sua decisão de sair?
Amadeu
– De jeito nenhum. A ministra é competente, favorável ao software livre
e me pediu para ficar. E ficaria se algum recurso tivesse sido liberado. Não posso concordar com os bloqueios impostos pelo Ministério do Planejamento. Não posso. A crise impede o governo de retomar a questão como prioridade – e a ministra de ficar enfrentando um outro Ministério por esta causa. Muitos no governo aderiram apenas ao lado solar da inclusão digital. É bonito apoiar telecentro, computador barato para pobre, mas na hora de enfrentar interesses a favor do software livre,
falta apoio, falta cara na reta. O lobby privado não venceu. As resistências encontradas no governo atrapalharam muito mais do que os problemas
previsíveis criados pelo lobby. Saio cansado, mas sem mágoas.

ISTOÉ – O ministro das Comunicações, Hélio Costa, questionou as
vantagens do software livre?
Amadeu
– Não foi assim. Ele disse que precisava saber se o suporte ao
software livre ficava mais caro do que a licença do privado. A dúvida é fruto
de uma mentira divulgada pelas empresas de softwares proprietários para amedrontar e preservar monopólios.

ISTOÉ – O sr. sentirá saudades de alguns projetos?
Amadeu
– Sim, de coisas como o Casa Brasil, versão aprimorada dos telecentros implantados na cidade de São Paulo. Serão 90 em todo o País até o final do ano, com salas de conferência e outros serviços. Há também o projeto PC Conectado,
um computador com configuração de mercado, sistema operacional Linux e mais
26 softwares livres. Programa para tudo. Custará cerca de R$ 1,2 mil, em 24 parcelas, para as classes C e D, preço impossível se houvesse pagamento de licença. Como alternativa, a Microsoft ofereceu um certo Start Edition, que, com
três aplicativos abertos – um antivírus e duas janelas do navegador de internet,
por exemplo –, não roda um quarto.

ISTOÉ – Este é o resultado de sua análise…
Amadeu
– De minha análise? Como assim?

ISTOÉ – A Microsoft o considera eficiente…
Amadeu
– Foram eles que disseram isso quando nos apresentaram o sistema.

ISTOÉ – E por que o PC Conectado ainda não colocou o bloco na rua?
Amadeu
– Fizemos nosso serviço. Cabe ao governo liberar financiamentos.