Em areia movediça quanto mais
se mexe, mais se afunda. Foi isso
o que aconteceu com os presidentes dos três maiores fundos de pensão
do País. Na quarta-feira 31, Sérgio
Rosa, da Previ (do Banco do Brasil), Wagner Pinheiro, do Petros (da Petrobras), e Guilherme Lacerda, do Funcef (da Caixa Econômica Federal), passaram mais de nove horas depondo na CPI do Mensalão sobre o assombroso contrato firmado com o Citibank. No documento, assinado em 9 de março deste ano, os fundos se obrigam a comprar as ações do Citibank na Brasil Telecom, pagando por elas um sobrepreço de 240%. Hoje, cada lote de mil ações da Brasil Telecom vale R$ 23. O escandoloso contrato estabelece que Previ, Petros e Funcef se comprometem a comprar as ações do Citibank, pagando por cada lote R$ 90. Nenhum dos três depoentes conseguiu convencer a maioria dos parlamentares de que o contrato não macula os cofres públicos.

“Ficou a inevitável conclusão de que os três maiores fundos de pensão do País assumiram o compromisso de pagar um preço enorme, enquanto para o Citibank não há risco algum”, diz o relator da CPI, deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG). Como os responsáveis pela gestão dos fundos nada esclareceram, a CPI já determinou a convocação do presidente do Citi no Brasil, Gustavo Marín. Resta apenas determinar a data em que ele será questionado pelos parlamentares.

José Dirceu – Entre os membros da CPI há a suspeita de que por trás do inexplicável contrato haja um esquema de repasse de dinheiro público – via sobrepreço – para fins privados. “Está na cara que essa operação tem objetivos escusos”, afirma o deputado Moroni Torgan (PFL-CE). “Ninguém faz uma operação para perder dinheiro. O que há por trás disso é a obtenção de recursos para partidos políticos”, completou a deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP). As anotações feitas na agenda do ex-ministro-chefe da Casa Civil deputado José Dirceu (PT-SP) reforçam a suspeita dos parlamentares e irão exigir do presidente do Citibank no Brasil esclarecimentos precisos.

No período entre fevereiro de 2003 e novembro de 2004, não consta que o ex-ministro tenha concedido audiências particulares a grandes bancos como Itaú e HSBC, por exemplo. No entanto, no mesmo período ele recebeu diretores do Banco Rural e do BMG, ambos envolvidos no esquema do mensalão e nos supostos empréstimos feitos pelo empresário Marcos Valério para saldar dívidas de campanha do PT. Recebeu também, em duas ocasiões, diretores do Citibank. Em 18 de setembro de 2003, José Dirceu reuniu-se com Marín e Mike Carpenter, diretor do banco americano. Em 31 de março do ano passado, o ex-ministro esteve novamente com Marín, que desta vez se fazia acompanhar de William Rhodes, vice-presidente internacional do Citibank. Um mês antes do encontro, Dirceu manteve uma longa reunião com Sérgio Rosa, o presidente da Previ e principal defensor do contrato sob suspeita. Quando estiver depondo, Marín terá de explicar o que foi tratado a portas fechadas com o ex-ministro.

TCU – No Tribunal de Contas da União, o contrato entre o Citi e os fundos de pensão também foi condenado. E o comportamento dos gestores da Previ, do Petros e da Funcef novamente se equiparou ao de alguém que afunda em areia movediça. Como noticiado por ISTOÉ, em 15 de agosto, o ministro Benjamin Zymler, do TCU, assinou despacho liminar determinando que os fundos de pensão não pratiquem nenhum ato relativo ao contrato até que o mérito do mesmo seja inteiramente julgado pelo tribunal. Uma semana depois, os fundos, por intermédio do Banco do Brasil, da Petrobras e da Caixa Econômica Federal, entraram com um recurso (agravo) buscando tornar sem efeito a liminar. Na quarta-feira 24 de agosto, o ministro Zymler fez novo despacho, mais uma vez cancelando os efeitos do polêmico contrato.

“… ante a existência de notícias nos autos de potencial prejuízo aos cofres dos multicitados fundos de pensão, uma vez que o acordo ‘put’ (contrato) previsto entre esses fundos e o Citigroup encontra-se majorado em aproximadamente 240% sobre o valor real das ações da Brasil Telecom …. defiro medida cautelar a fim de que esses fundos abstenham-se de celebrar o mencionado acordo ou, se já houver sido celebrado, que não pratiquem nenhum ato a ele referente”, escreveu o ministro,
em despacho composto de quatro páginas.

A decisão do ministro do TCU não surpreendeu os parlamentares que têm investigado as relações dos fundos de pensão com o Citibank. O que mais chamou a atenção foi o fato de o recurso ter sido encaminhado pelos próprios fundos ou seus patrocinadores, e não pelo Citi, que seria o maior prejudicado com o não-cumprimento do contrato. “O ministro toma uma decisão desobrigando alguém de comprar algo com um sobrepreço e quem reclama não é o futuro vendedor, mas o futuro comprador. Isso não é plausível”, pondera o senador Heráclito Fortes (PFL-PI).

Argumentos frágeis – Na CPI, os presidentes dos fundos de pensão recorreram a argumentos técnicos para tentar explicar o contrato. Tentaram negar o sobrepreço, alegando que essas ações se traduzem em controle da Brasil Telecom e que as mesmas ações receberam propostas de compra tanto do Grupo Opportunity quanto da Telecom Italia com valores próximos ao que está estipulado no contrato. Não disseram, porém, que ambas as propostas não traziam dinheiro do contribuinte nem tiveram como contrapor a fatos concretos que não há técnica capaz de desmontar. São eles: 1) em julho de 1998, os fundos pagaram R$ 32 por cada lote de mil ações da Brasil Telecom; 2) em março deste ano, quando o contrato com o Citi foi assinado, cada lote de mil ações da Brasil Telecom valia R$ 23,50 na Bolsa de Valores de São Paulo; e 3) o contrato determina que os fundos deverão pagar pelas ações em poder do Citi R$ 90 por lote de mil.